Regina Spektor não é um nome novo para os leitores do browserd.com. Foi há mais de 10 anos que aqui escrevi sobre Soviet Kitsch, na tarde em que ouvi Regina Spektor pela primeira vez.

Desde então a jovem Regina Spektor (na altura tinha 25 anos mas pelos padrões actuais, aos 36 posso continuar a chamar-lhe jovem certo?) já marcou presença mais umas quantas vezes por aqui, quer em fugazes referências (como quando um ano mais tarde relacionava Ghost of a Corporate Future com a fantástica God’s Away On Business de Tom Waits), embasbacado com um concerto (como o intimista e muito bem disposto concerto que deu em Cascais em 2010) ou após ouvir um novo disco (quando comprei What We Saw From The Cheap Seats, em 2012).

É precisamente com um novo disco, Remember Us To Life, que volto a escrever sobre esta que é uma das minhas artistas favoritas.

Regina Spektor Remember Us To Life Vinyl Deluxe Edition

O registo de Regina Spektor nunca foi vulgar, longe disso. Da voz de efeitos desconcertantes aos arranjos musicais, passando obviamente pelas letras das suas canções, tudo em Regina Spektor é, como escrevi em 2005, estranho, mas um estranho bom, um estranho que nos faz querer mais, um estranho que nos faz querer conhece-lo mas que a cada novo álbum faz questão de manter a tal estranheza, garantindo que há ali uma história a ser contada, uma história para ser ouvida.

Depois de um amargar de tom em What We Saw… (mesmo que mais acessível), com que Regina Spektor mostrou uma maturidade crescente, eis que nos brinda agora com uma obra ainda mais negra mas que nem por isso deixa de ter a elegância a que já nos habituou nem o cheiro a flores que sempre marcou os seus discos.

Em Remember Us To Life Regina Spektor parece querer levar-nos a uma viagem pelos sombreados das emoções, lembrando-nos do quão boas podem ser e simultaneamente, quão devastadoras. Ainda mal começou e já nos deixa de rastos:

Someday you’ll grow up and then you’ll forget
All of the pain you endured
Until you walk by, a sad pair of eyes
And up will come back all the hurt
And you’ll see their pain as they look away

Nada a fazer. Never never mind your bleeding heart. E a coisa continua. Porque a vida é isso, business as usual. E Regina não faz por menos. Sem percebermos bem se é uma ameaça ou uma promessa (dúvidas que nos assolam), diz-nos que envelhecemos mas que nem por isso a vida se torna mais leve. Tudo o que precisamos saber é que estaremos sós até deixarmos de estar, estaremos por cá, até partirmos. Aproveitar enquanto podemos. Parece uma ameaça não é?

Estranhamente invadem-nos as cores pastel, quando Wes Andreson encontra os Eagles e o Hotel California se funde com o Grand Budapest Hotel, no sitio onde há um túnel directo para o Inferno.

Room service, mini-bar
Scented soaps, chauffeured cars
Stay a day, stay a week
Here’s the tunnel, take a peek
Just call up your friends at the front desk
Any hour at the front desk
Call up your friends at the Grand Hotel
You’ll always have friends at the Grand Hotel

Há bonés e correntes douradas também, quando Eminem e 50Cent parecem surgir do nada, na visualmente arrepiante Small Bill$. Os avisos continuam, é perigoso dormir profundamente (o sono é a antecâmara da morte?). E há fotografias a preto e branco, em Black and White, de tal doçura tocada que facilmente nos faz passar pelas lágrimas que anuncia. Devastadoras as emoções lembram-se?

E até quando os nomes nos parecem mostrar uma luz ao fundo do túnel, desenganem-se os incautos, a luz nem sempre é o que parece e em The Light isso não podia estar mais presente. Que melhor forma de o mostrar do que cantando I know that wrong and right can sometimes look the same, So many things I know, but they don’t help me. Mesmo quando nos diz saber que não há nada de errado.

Sim, tudo em Regina Spektor é estranho. Ela mesmo o diz em The Trapper and The Furrier. Que estranho mundo aquele em que vivemos, em que caçadores e negociantes de peles entram no paraíso. E donos, e gerentes e advogados e farmacêuticos… E de repente, estamos novamente nas paisagens quase distópicas a que tão facilmente ela nos leva.

A negritude continua, a escuridão, a vida. O que somos senão entidades incompletas? Radicalmente diz ser Obsolete. Não concordo. Há uma distância abismal entre a incompletude e a obsolescência. Acho que ela sabe disso mas sabe também que é através de palavras mais fortes que de quando em vez nos fazemos ouvir. A introdução marcou o tom:

This is how I feel right now
Obsolete manuscript
No one reads and no one needs
Pages lost, incomplete
No one knows what it means

E eis que Regina Spektor avisa: Winter is comming

As memórias são parte essencial da nossa vida. As boas e as más. E como se no palco de um musical da Broadway nos encontrássemos, sabemos que o Verão passa, que o Outono também, sempre a correr, para que chegue o Inverno. O das nossas vidas? Lá chegaremos. A idade é a máquina que lá nos leva mas é nesse Inverno que tendemos a esquecer… E no final de tudo, quando não há quem viva o suficiente para contar, quem será o vencedor pergunta ela? Talvez só o Inverno. Todos os Invernos direi eu.

O disco termina com The Visit e uma vez mais, Regina Spektor parece querer enganar-nos, apanhar-nos desprevenidos e desiludir-nos. No bom sentido. Desfazer a nossa ilusão. I’m so glad that you stopped in sussurra ela ao nosso ouvido às primeiras notas do piano. Embala-nos suavemente, levando-nos a colocar o pé, ouvir o click, sentir a armadilha a apertar quando nos diz:

Time’s best friend is fear
That’s how it can find us
And do its greatest kindness
Always to remind us
That it’s our only time inside
This body and this mind

Este é um daqueles discos que sai para o mercado com uma versão Deluxe, neste caso, mais 3 faixas: New Year, The One Who Stayed and the One Who LeftEnd of Thought  e basta olhar para estes títulos e a história completa-se.

Do alarme a tocar aos 5 minutos para a meia-noite, com a garrafa que vazia fica no corredor enquanto esperamos por um melhor ano que está por chegar, a ser mais uma cara, só mais uma cara na multidão, existente num gigantesco, imensurável Universo, onde cada decisão deve ser bem pensada, tudo tem um sentido.

No final, talvez pareça faltar alguma da leveza, da frescura, mesmo mais ácida, de outros discos. Mas na realidade não falta. Este disco é um reconhecer, é um aceitar da tal negritude, da sombra como parte integrante da vida. Saber que ela existe, saber que ela lá está, lá esteve, sempre, faz com que a possamos gozar melhor, contornando, aproveitando, vivendo.

E eu tenho agora mais uma razão para ter a Regina Spektor como uma das minhas artistas favoritas. Já vos tinha referido isso?

Este novo CD da Regina Spektor é a minha companhia musical durante o dia de hoje.

Regina Spektor What we saw from the cheap seats

Longe vai o ano de 2005 quando aqui escrevi pela primeira vez sobre Regina Spektor,  a jovem russa que desde então me encanta com a sua voz.

Será What We Saw From The Cheap Seats o melhor álbum de Regina Spektor? Não sei, ainda não tive tempo para tais considerações. É certo que os críticos dirão que será difícil bater o bestseller Begin To Hope mas sinceramente, terá sempre um novo disco que ser melhor (o que quer que se entenda por melhor) do que um anterior? Não será até preferível que seja diferente?

E há diferenças neste novo álbum de Regina Spektor.

Mesmo quando faz uma nova versão, Regina Spektor surpreende pela diferença. Veja-se o caso de Ne me quitte pas, uma canção já apresentada no álbum Songs, de 2002, e que aqui ganha uma nova roupagem.  Estranha diferença esta que nos lembra semelhança com uma Regina Spektor que aparece e desaparece em cada novo disco…

E falando de diferenças, lembram-se de Nina Simone a cantar Don’t Let Me Be Misunderstood? Ouçam Oh Marcello e digam lá se não vos parece que a falecida teve uma visita do fantasma do futuro e resolveu homenagear Regina Spektor deixando para a eternidade a expressão i’m just a soul whose intentions are good

Assim a frio, ainda sem muito em que me basear, a minha primeira opinião é que What We Saw From The Cheap Seats é um álbum um pouco mais negro do que os anteriores. A jovem Regina está a crescer e o mundo à sua volta (ainda que as paisagens cinzentas, fabris, mecânicas, distópicas até, sempre tenham estado presentes) talvez tenha agora menos flores coloridas… Mas o negro continua a ser marca de elegância certo? E isso, garanto-vos, do que ouvi, há muito neste disco.

Adiante que há muito que ouvir… Depois vos digo algo mais.

Entretanto, vocês, gostam de Regina Spektor?

 

Lugar comum que seja, Regina Spektor, a menina, “um quarto de alguma coisa” como diz a Susana, cantou e encantou ontem à noite, ao ar livre, em Cascais.

Regina Spektor Cascais

Ainda durante o jantar, com um casal de amigos, falámos sobre o quão bem ficaria Regina Spektor e o seu piano, num espaço pequeno, um café, bar ou cabaret… Poucos minutos depois já o desejo de a ver assim aumentava.

Um tímido «obrigada», e, para caso algo acabasse «fucked up», o «desculpem» já treinado, lá se cruzava com o riso de quem efectivamente está a achar piada à coisa… «Vocês lembram-se de cada coisa… Coisas que eu já não tenho a certeza se ainda me lembro…». Lembrava. Lembrava cada palavra. Cada som. Com banda, sem banda, ao piano, no sintetizador, de guitarra em mãos, sem mais nada que não a sua voz…

Desculpem, está muito calor. Vou ali e já venho. A Regina Spektor também. E tal como eu, ela promete voltar. Nós esperamos que em breve.

A tarde de hoje foi ao som de algo que não conhecia: O album “Soviet Kitsch” pela jovem Regina Spektor. Ali tudo é estranho. Pelo menos, assim me pareceu. Não que seja muito destas coisas mas depois de ouvir “Ghost of Corporate Future” não queria deixar de vos dizer o seguinte:

A man walks out of his apartment
It is raining
He’s got no umbrella
He starts running beneath the awnings
Trying to save his suit
Trying to save his suit
Tryin to dryin to tryin to dry but no good

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