Os novos All Star estão a dar que falar. O seu lançamento mundial foi noticia de destaque em muitos meios de comunicação. Pudera. Há já quase 100 anos que o modelo clássico dos mais famosos ténis da marca Converse, os Chuck Talyor All Star, não sofria alterações. Durante este período foram lançadas novas cores, novos padrões, foram revisitados alguns esquecidos (os Hi-Top todos pretos por exemplo) mas, mudanças estruturais, nunca tinham acontecido. Até agora.
A Nike, desde 2003 proprietária da marca Converse, resolveu que estava na hora de “modernizar” os famosos ténis e lançou para o mercado os novos All Star com uma campanha de comunicação que, aparentemente, terá passado por lembrar a alguns jornalistas que os All Star existiam (a sério que tenho as minhas dúvidas sobre se todos quantos de repente se lembraram dos ténis All Star, se teriam lembrado sem serem recordados de tal) de forma a que, aquando do dia em que os novos All Star fosse colocados a vender, os comentários sobre os mesmos estariam já “no prelo”, prontos a publicar. E assim foi.
Durante toda a semana, surgiram artigos pelo mundo inteiro, verdadeiramente glorificando os novos All Star, muito mais resistentes e muito mais confortáveis. Sim, é o conforto que se apresenta como o verdadeiro trunfo nestes novos All Star. A palmilha esponjosa a que a Nike chama Lunarlon e que utiliza em muitos dos seus modelos de ténis de corrida, foi adicionada de forma a proporcionar um maior amortecimento ao pé. A pala passou a ser almofadada (a pala clássica, fina, tende a escorregar para os lados coisa que já não acontece com esta), a zona do tornozelo foi reforçada e todo o corpo do ténis passa a contar com um tipo de lona mais resistente, que se mantém “armada”.
No exterior, grandes modificações também: A sola ganhou mais alguns milímetros de altura, a ponteira de borracha é mais grossa, as ilhoses passam agora a ser da mesma cor que a lona, o logotipo colocado na lateral é agora cozido e não colado, enfim, alterações suficientes para me levarem a afirmar:
Os novos All Star não são, de todo, como os clássicos All Star.
Note-se que esse é um dos argumentos de quem tem apresentado os novos All Star, que pouco mudaram e mudaram para melhor, que os novos All Star são os All Star de sempre mas, mais confortáveis, mais 2015… Pois. Talvez eu goste mais dos clássicos All Star, um design de outros tempos. E convenhamos, ninguém compra uns All Star por serem confortáveis.
Os All Star nunca foram verdadeiramente confortáveis e há muito que existem no mercado outros ténis, até dentro do estilo, mais confortáveis que estes. Experimentem fazer uma grande caminhada com um par de All Star e digam-me ao fim do dia o quão descansados e suaves (para não dizer bem cheirosos) estão os vossos pés. Ainda assim, quem gosta de All Star, continua a comprar este modelo e mais que isso, defende a sua escolha aguerridamente, com unhas e dentes.
Os All Star vivem há muito de uma questão de atitude. São representativos de um determinado estado de espirito, de uma determinada forma de viver ou o desejo de tal. Usar uns All Star é só por si uma afirmação, um marcar território…
Os All Star são os ténis que deixamos à porta da tenda, são os ténis com que atravessamos o rio e que depois penduramos ao pescoço para secar. São os ténis que levamos ao festival, onde desenhamos caretas na ponta branca e quando esta já não chega, há ainda muita lona para escrever.
Os All Star são os ténis dos enfant terribles do Rock n’ Roll, dos inadaptados do cinema, são símbolos geracionais representando gerações das quais parecem continuar a existir ilustres representantes a cada nova geração que surge.
E no meio de tudo isto, alguém se lembrou do conforto? Não, nem por isso. Eventualmente, quando os pés estão a doer, quando a bolha rebenta, lá vem um ou outro desejo de maior conforto mas que se esmorece rapidamente ao olhar para os All Star pensando neles como uns resistentes, verdadeiras máquinas de guerra, prontas para mais um dia de gloriosas conquistas, amanhã.
O conforto dos novos All Star não é uma boa ideia?
Claro que é. Tivesse a Nike optado por colocar a sola Lunarlon no antigos modelos, tivessem reforçado a borracha como fizeram nos novos All Star, cozido o logo da estrela ou tivessem eles feito os novos All Star, sem retirar a linha branca que pontilhava a lona nos modelos clássicos, tivessem mantido o traço preto que separava a sola da lona, tivessem mantido a forma original, mais arredondada na ponta e menos estreita no corpo e sim, talvez eu fosse comprar os novos All Star pensando no conforto que eles me iriam proporcionar.
As coisas de que ninguém falou sobre os novos All Star
Sim, são parecidos mas não são iguais e algumas das diferenças tornam-os radicalmente diferentes. O facto dos novos All Star terem uma forma mais estreita origina uma biqueira mais afunilada o que só por si pode ser um deal breaker para quem gosta da dos All Star clássicos, mais arredondada. Mas esta questão da forma mais estreita vai para além da estética. Esta forma obriga a que quem tenha o pé mais largo, como eu, se veja obrigado a calçar um numero acima do seu numero normal. Ao experimentar uns novos All Star 42 não só tive dificuldades em enfiar o pé nos mesmos como mal os conseguia apertar. Já o numero acima, que calçava razoavelmente bem, levantava outros problemas: ficavam um pouco mais compridos e largos o que levou a que quando dobrei os pés para andar, “sobrava” lona por todos os lados.
Tenho a certeza de que os novos All Star vão agradar a muita gente. Que mais não seja, é outra vez fashionable usar ténis All Star, os novos All Star. Tenho quase a certeza de que já alguém deve ter ouvido algo como “Mas os teus são dos antigos?” acompanhado de um certo desdém.
Por outro lado, também tenho quase a certeza de que um destes dias, a Nike irá lançar no mercado uns All Star Chuck Taylor, clássicos, com as inovações relativas ao conforto que agora apresentam nos novos All Star.
A Nike, numa manobra comercial inteligente e que demonstra saber o valor do produto que adquiriu em 2003, optou por manter no mercado as duas linhas, os All Star Chuck Taylor e os novos All Star Chuck Taylor II. Ainda bem.
Sim, eu sei, há que acompanhar o desenvolvimento e aceitar o futuro que se apresenta a cada dia. Ainda assim, gosto de acreditar que (mesmo sabendo que é uma frase há qual não podemos deixar de acrescentar mil nuances) há coisas que nunca mudam e como dizem os americanos, criadores dos All Star, old habits die hard. É por isso que vou comprar uns All Star clássicos.