Vou escrever um livro. Como não o fazer? Seria perder a oportunidade de garantir que um dia me lembrarei de uma série de pessoas, coisas, momentos e sensações que, eventualmente, irei esquecer. Não me entendam mal: esquecer é por demais importante. Escreveu Nietzsche, em Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida:

Aquele que não consegue sair de si mesmo no limiar do momento e esquecer o passado (…) nunca saberá o que é a felicidade; e, pior ainda, nunca fará nada que faça os outros felizes.

Esquecer é, como referi, por demais importante. Para mim, é igualmente importante poder recordar. E por isso, vou escrever um livro.

Ao longo dos anos, muitas vezes me perguntaram porque não o fazia, porque não me decidia a escrever um livro. Muitas vezes dei como resposta que até o poderia fazer, mas só se fosse para publicação póstuma. Preferia que só me chamassem nomes depois de morto. Entretanto, escrevi trabalhos académicos, escrevi para sites, para jornais, para revistas, até já escrevi para livros, mas nunca me decidi a escrever um livro. Nem quando tive o contrato na mão, quando só faltava assinar, avancei com a ideia de escrever um livro.

Vou escrever um livro. Como não o fazer?

Eu já comecei a escrever. Várias vezes…

Confesso que escrevi algumas primeiras páginas, umas inteiras, outras meias, mas todas elas primeiras. Ponderei escrever um livro a que chamaria “As minhas mil primeiras páginas”, ideia que acalento e que um dia, quem sabe, levarei a bom porto, mesmo tendo que começar de novo, uma vez que não guardei uma só dessas primeiras páginas que escrevi.

A minha (muito conflituosa) relação com a escrita é antiga, mas o gosto pelas letras, que ganhei com a minha avó materna, sempre se bateu pelo primeiro lugar da minha motivação, com a preguiça transcendental que canta Rui Reininho. No meu caso, há muito que gosto em mim de ambas as coisas. É uma maldição. Mas as batalhas são assim, e essa estória de batalhas sem vencedores nem vencidos… balelas. Se há batalha, um lado vence, e desta feita penso que venceu a vontade de escrever um livro. Como não o fazer?

Existe, no entanto, um problema recorrente. Na tentativa de escrever este próximo parágrafo – e lembremos aqui que ainda não se trata de escrever um livro, só de uma declaração de intenções – já o rescrevi três vezes, com a nítida sensação de que as referências a certas situações menos comuns, ainda só na infância ou juventude, marcariam de forma indelével o meu nome e, eventualmente, o das outras pessoas envolvidas. Imaginem o que seria quando chegasse à vida de adulto.

Vou escrever um livro. É ponto assente.

Mas como? Escrevo só para mim, voltando à ideia da publicação póstuma, deixando em testamento a nota de que talvez seja melhor uma campa não identificada ou cinzas espalhadas ao vento? Eco escreveu que o autor devia morrer quando termina a obra, mas não tenho vontade de morrer tão cedo nem tão pouco de escrever tão tarde.

Escrever com um pseudónimo de nada adiantaria, tão claras e identificáveis são as histórias da minha vida, e inventar um heterónimo também não seria solução. Sair da minha pessoa, como escreveu Pessoa (desculpem, não foi de propósito), não é de todo o meu intento.

Vou escrever um livro, está decidido. Como não o fazer? Não é um dilema. Escrever é para mim, parafraseando Borges, uma necessidade intima. E essas são necessidades que devem ser colmatadas.

Eis que temos nova edição de Time Warp Again, a #4. Desta vez pensei numa edição mais centrada, focada num tema, um estilo, uma certa sonoridade. Esqueçam lá isso.

Seguindo o critério “gosto, está bom”, uma vez mais procurando entre os discos de vinil cá de casa, descobri pérolas escondidas em LP’s insuspeitos e em singles empoeirados. Também há coisas novas, acabadas de chegar, do outro lado do mundo, e do outro lado do mundo (sim, foi de propósito).

Só me falta inspiração para escrever e como tal, sem mais delongas, Time Warp Again #4.

 

O que podem ouvir no Time Warp Again #4? A saber:

Johnny Cash
Debbie Williams & The Unwritten Law
Goldie & The Gingerbreads
The Kinks
The Delmonas
Otis Redding
Jerry Lee Lewis
Nichollas Mariano
The Paper Kites (Featuring Maro)
Galen & Paul
Robert Gordon (With Link Wray)

E o Time Warp Again continua. Depois do Time Warp Again #2, o episódio numero 3, que da chamada música do mundo ao Southern Gospel, do Reino Unido ao Brasil, de Lima a Nova Iorque, vos quer levar numa (ou várias) viagem no tempo e no espaço, sem que tenham que sair do lugar (também podem, se quiserem). São cerca de 35 minutos de música, saída dos discos de vinil que há cá por casa, uns novos e outros nem por isso, mas todos com história para contar.

Para mim, o Time Warp Again é também um momento de descoberta, uma vez que me leva a ouvir coisas que ainda não tinha ouvido (sim, tal como o Umberto Eco não leu todos os livros da sua biblioteca, também eu não ouvi todos os meus discos), e a ouvir de forma diferente outras que não ouvia há muito. E a descoberta é aprendizagem. Os mundos que a música nos dá a conhecer vão muito além daqueles três minutos que dura uma canção.

Espero que também para vocês o Time Warp Again seja o mote para novas explorações sonoras.

 

O que podem ouvir no Time Warp Again #3? A saber:

Bab L’ Bluz
The Animals
Dr. John
Chacalón y la Nueva Crema
Solomon Burke
Dean & Britta
The Miller Sisters
Lee Fields
The Poets
Célia

Time Warp Again. Para alguns de vós o nome terá sentido; conheceram a primeira versão nos tempos da pandemia, Time Warp Em Vinil, uma tentativa de fazer um podcast a partir dos discos de vinil que há cá por casa. Correu mal. A ideia era boa, a implementação falhou, a inspiração também. Coisas da vida.

Time Warp Again, discos de vinil no Digital

Dois anos mais tarde, os discos de vinil continuam a acumular cá por casa e, por muito que eu goste de os ver e ouvir por aqui, sempre tive a ideia de que o que mais gosto neles é o descobrir e partilhar a música que neles encontro. Jantares com amigos é uma boa forma de o fazer, mas não chega.  E é essa a ideia de partilha que me traz aqui, a apresentar-vos Time Warp Again, uns minutos de música, de tempos passados, presentes e, quem sabe, futuros (só ouvindo), acompanhados de uma ou duas palavrinhas.

E sim, vem tudo dos meus discos de vinil. Se podia fazer isto com uma playlist no Spotify? Talvez (ainda que eu tenha a certeza de que tenho discos cujas músicas não estão no Spotify), mas não era a mesma coisa. Pelo menos para mim.

E porque raio começo com o número 2? Porque penso que está melhor que o número 1. Eventualmente, um destes dias, também aqui publico o #1, mas convenhamos, se quiserem muito ouvi-lo, não é difícil de encontrar.

Ouçam, deixem os vossos comentários, criticas, ideias. Pode ser que o próximo seja ainda melhor.

 

O que podem ouvir no Time Warp Again #2? A saber:

Nancy Sinatra
Caís do Sodré Funk Connection
Ghetto Brothers
Green Peppers
Jackie Wilson
The Ides Of March
Lebron Brothers
La Femme

Alguém me disse que tinha visto um texto meu, numa qualquer rede social, a criticar a forma como a questão da COVID19 está a ser gerida e a grande importância que lhe está a ser dada. Pedi que parasse por ali.

Não só estou certo de que a única coisa que escrevi sobre o tema foi “Portugal, a COVID19 e a pequena aldeia irredutível” (texto que dificilmente alguém poderá entender como uma critica à gestão da corrente crise) como, e sinceramente, muito mais revelador, é completamente impensável para mim negar a gigantesca importância da temática em causa.

Pedro Rebelo sobre a importância do tema COVID 19

Quem me conhece e sabe o que faço, sabe o quão interessado tenho estado no assunto, o quão próximo e o quão envolvido. Mas, quem me conhece e sabe o que faço, sabe também o quão interessado, próximo e envolvido estou na luta contra a desinformação. Infelizmente, estas duas temáticas estão muito mais interligadas do que seria desejável. E dai, haver quem veja textos afirmando categoricamente as maiores barbaridades, questionando as maiores evidências, levantando dúvidas nas mentes mais incautas, semeando a constante confusão e discórdia, aparentemente sem um real propósito.

Não, não é ser naïf, e não ver que quem escreve essas coisas o faz com segundas intenções. É, e conhecendo algumas das pessoas que escrevem tais coisas, acreditar que só pode ser sem um propósito, escrever por escrever, qual escrita fantasma de mau gosto. Porque, acredito, estas pessoas sabem que o que escrevem, mesmo nos mais recônditos cantos da Internet, ficará para sempre associado aos seus nomes.

Talvez num momento de temporária insanidade, se tenham esquecido do básico, e declararam a calma e certeza de entidades mundialmente reconhecidas como instigadores de desinformação, como fontes de verdade. Partilharam estudos de revistas conhecidas pela publicação de fraudes académicas, como verdadeiras entradas enciclopédicas, e noticias de mundialmente famosos pasquins, como vozes de arautos da verdade, enviados à Terra por não outro senão Deus nosso Senhor.

Claramente, houve leituras esquecidas pelo caminho. Desde 1882 que se anunciou a morte de Deus e, mesmo para os mais desatentos ou crentes incondicionais na certeza de que há algo eterno, será certamente claro que Deus não anunciaria a Sua palavra no Daily Mail.

Gostaria de ver o à vontade e a pose magistral de certos rabiscadores, perante uma audiência de pais, filhos e netos a quem, derivado da COVID19, faltam companhias queridas, pessoas amadas. Gostaria de os ver argumentar, munidos dos nomes pomposos de médicos estrangeiros e recortes avulso sacados de sabe-se lá onde, sem a possibilidade de bloquear respostas ou de ignorar comentários, frente a frente com alguns daqueles que entre os 60 milhões de infetados com o Corona Vírus, estiveram em camas de hospital, ligados a máquinas, sem saber se se safavam.

O mundo não é preto e branco. A sério Varatojo?

Há coisas que não entendem? Claro que há, mas perguntem a quem de direito, perguntem a quem sabe e não a quem diz que sabe porque ouviu dizer que a prima de um amigo, que tem um tio que é vizinho do irmão da filha do padrinho do primeiro casamento do cunhado de alguém que trabalha numa clínica ou lá o que é, em Cesky Krumlov, na Republica Checa, tinha lido sobre o tema no Facebook.

Mas há histórias mal contadas? Claro que há. Lembrem-se dos vossos pais. Eles contaram-vos umas quantas enquanto vocês cresceram, mas não foi razão suficiente para que vocês viessem para a Internet chamar-lhes aldrabões.

Uma amiga referiu ontem, o argumento Reductio ad Hitlerum e dai à Lei de Godwin foi um pulo (ou um tweet melhor dizendo). A aplicabilidade da mesma aqui, nem precisa de muita argumentação. Os negacionismos existem e o mais famoso de todos, independentemente das evidências, não deixa de existir.

Aqueles que negam a importância da COVID19 são também aqueles que colocam frequentemente o termo “negacionismo” em cima da mesa, num acto de auto-vitimização em jeito de defesa, argumentando que são acusados de tal por não seguirem “a corrente”, como se essa referência à priori vá impedir ou minimizar o efeito de quem os vir como aquilo que são e os chamar pelo nome.

Desiludam-se (no sentido da fenomenologia Heideggeriana, abandonando a ilusão e abraçando a realidade). Aquilo que hoje escrevem é parte do que vos define.

Que fique então muito claro: há mais Marias na terra.