… a que chamavam Gulbenkian. Era um grande jardim, no meio da cidade. Uma mancha verde de quase 9 hectares… Não havia quem não gostasse daquele jardim. Do nascer ao pôr-do-Sol, o tal jardim Gulbenkian estava ali para os Lisboetas… E para os outros também…
Havia quem lá fosse só para passear, outros para descansar, estudar, namorar… E se namoravam… Umas vezes com as namoradas, outras vezes nem por isso… Enfim. Era um grande jardim esse tal jardim Gulbenkian.
Como em todos os jardins, ainda que mais nuns do que noutros, respirava-se lá no tal jardim Gulbenkian, um cheirinho de Liberdade… E que bem cheirava a Liberdade.
Precisamente por cheirar a Liberdade, por lá, de quando em vez, também se cheiravam outras coisas… Um cigarrito aqui, outro cigarrito ali, passa um cachimbo, uma ou outra coisa menos bem enrolada, enfim, havia por lá de tudo… E bons cigarros que por lá fumei… Deitado na relva, a olhar para o céu.
Assim era o tal jardim Gulbenkian. Era…
Hoje é engraçado à mesma. Uma paisagem diferente, exemplar. Há até quem a visite vindo de longe só para ver “a grande mancha amarela”… E que giro é ver os putos, aos pulos e cambalhotas, divertindo-se por lá… A maleabilidade e elasticidade do acetato de celulose… Não fossem os tubos das mal engendradas máscaras de oxigénio, que de quando em vez se enrolam em volta do pescoço, aquilo era só galhofa. Bem, imaginamos, que as ditas máscaras também não deixam passar o som cá para fora. Mas deve ser de certeza…
E pensar que tudo isto, toda esta modernidade, resultou de um gesto tão simples, de uma pessoa tão simples… Ela, que deitada na relva, desfrutando do sossego, da serenidade de uma tarde de Verão, lia com calma e fumava o seu cigarro. Os seus cigarros…
De quando em vez, quando o calor da combustão lenta lhe chegava aos dedos, lá se virava com custo, e se levantava do seu encosto, para num acto ecológico apagar o cigarro na rocha mais próxima. Quantas folhinhas de relva pouparia ela naquele acto?
Logo depois, sem mais quê nem para quê, a paixão do momento morria, lançada ao chão, num gesto irreflectido que, neste nosso futuro, afinal nem tão distante assim, dava origem ao nosso novo jardim, o jardim da beata…