O paratexto na imagem é, como seria de esperar, um tema polémico, não consensual. Bem, para ser mais preciso, o próprio conceito de texto é por si problemático, ou como refere Mieke Bal, controverso.
Se optarmos por determinadas abordagens semiológicas (estruturalistas?), todo e qualquer objecto de estudo poderá ser enquadrado na categoria de texto. De forma muito abusada, é mais ou menos algo como dizer “Pode ser interpretado? É texto.”.
Até Gerard Genette, que desenvolveu o conceito de paratexto, refere em Paratext: thresholds of interpretation a existência de paratexto em áreas outras que não a literatura.
De uma forma muito concisa e clara, para que saibamos todos sobre o que estamos a falar, podemos entender o paratexto tal como me lembro de o apresentar a Professora Maria Augusta Babo ou seja, como um conjunto de elementos que encontramos nos limites do texto e que lhe estabelecem as fronteiras. Num livro, por exemplo, são claros como paratexto, elementos como o título e a assinatura. Entende-se assim o quão essencial é o paratexto para a noção de obra. Se nos lembrarmos de uma música temos também um titulo, num quadro, uma assinatura, num filme, e recordando novamente Genette, temos créditos finais. Tudo isto elementos que, não fazendo parte do texto em si, o complementam, enquadram, contextualizam. Até aqui, tudo entendido.
Dentro do conceito de paratexto, encontramos depois as derivações (enquanto compondo o paratexto) de peritexto e epitexto, sendo que o primeiro será composto por tudo quanto está junto ao texto, na forma em que se apresenta o mesmo (o que está na capa, na contra-capa, um prefácio ou uma dedicatória por exemplo) e o segundo, o que gravita em torno do texto, tendo um próximo relacionamento com o mesmo, seja em forum público ou privado (ainda recorrendo ao exemplo do livro, pensemos numa entrevista dada pelo autor ou numa qualquer confidência que este tenha feito).
Ora, é precisamente no campo entre o peritexto e o epitexto que se me levantam questões sempre que penso na fotografia quando privada da sua materialidade, quando se apresenta somente enquanto imagem e não como objecto fotográfico.
Quando guardo uma fotografia na carteira existe nela um peritexto, pela forma escolhida, pelo papel usado, pela dedicatória no verso. De igual forma, existe um epitexto, que se gera a cada referência à mesma, a cada explicação, comentário, sempre que tiro a fotografia da carteira. Esses mesmos momentos, potênciadores do epitexto, irão por sua ver dar origem a novos elementos peritextuais, com o desgaste da fotografia, a rasura, a dobra no canto e o recordar do momento que a causou.
E onde fica o paratexto no digital?
Que novas histórias se somam à história de uma imagem cada vez que ela é vista num ecrã? Que novos elementos lhe são adicionados? Que limites tem essa imagem, desprovida de materialidade?
Podíamos argumentar com os metadados como a marginália do século XXI, advogando a possibilidade de um paratexto incremental de zeros e uns mas, para além da obrigatória mediação tecnológica, falamos de elementos desprovidos da capacidade de desgaste assim como de se desgastarem (pelo menos de formas que possamos entender como naturais e não com esse objectivo) logo, ainda que os possamos aceitar como elementos paratextuais, deveremos pensar neles como uma categoria especifica, de acesso restrito, na sua leitura assim como na sua escrita, eventualmente inexistentes (ou imperceptíveis, o que neste caso teria o mesmo efeito sobre o receptor), deixando assim a imagem num limbo de contexto.
Assim, e voltando à ideia da Professora Maria Augusta Babo, de que o paratexto é essencial para a noção de obra, estaremos perante uma obra fotográfica quando frente a uma imagem num ecrã ou só devemos utilizar essa definição na presença do objecto fotográfico analógico, pregnante dos seus limites?
Isto preocupa-me. E a vocês? Que vos parece?