Há uns anos atrás fui apresentado pelo Prof. Doutor João Pissarra Esteves (um senhor, diga-se) à escrita de Gabriel Tarde. Com este, dei um cariz mais racional a uma questão que há muito me acompanhava, incomodava até. Gabriel Tarde falava do “sonambulismo social”, aquilo que quase inconscientemente, critiquei em pais, amigos, colegas, durante anos: A sensação da necessidade de obediência quase cega à normalidade, aquela que assim é chamada por ser a regra seguida pela maioria.
O conhecimento mais aprofundado da intertextualidade e das suas maquinações, levou-me à associação das palavras de Tarde com um outro sentimento, igualmente chegado até mim pelas letras de um génio, mas este há muito mais tempo, entre angustias da juventude: O spleen de Charles Baudelaire:
Nada iguala a extensão dos longos dias mancos
Quando o tédio, esse fruto da incuriosidade,
Sob os pesados flocos da neve dos anos,
Atinge as proporções da imortalidade.
O estar sem estar, o sentir sem saber o quê, um mal-de-vivre inexplicável. O ser o Wanderer, gostar de o ser e estar ainda, mesmo assim, insatisfeito.
Como uma letra nunca vem só, e uma leitura não se faz em si mesma, relembro ambos os autores à luz de um outro, Sigmund Freud, que nos anos 30 do século passado escrevia a abrir A Civilização e os Seus Descontentamentos:
Há certos homens por quem os seus contemporâneos não têm respeito embora a sua grandeza resida em atributos e realizações que são completamente estranhos aos objectivos e ideais das massas.
É assim que, sem qualquer réstia de falsa modéstia, deixo a todos quantos nos últimos dias me apelidaram de louco a viva voz e de irresponsável em surdina (digam-mo na cara e me baterei de razões com muito gosto) as palavras destes outros, para que sobre as mesmas reflictam e depois, mesmo que só para si (porque por vezes é essa a atitude de maior coragem) reconheçam quantas vezes quiseram fazer o mesmo que eu fiz e lhes faltou a coragem.