Assim como percebi que há muito quem não conheça o significado da palavra eclético, tenho ao longo do tempo percebido que também a expressão advogado do diabo é muitas vezes aplicada sem uso do correcto entendimento da mesma.

Há cerca de 25 anos atrás, no final de uma noite daquelas que só se podem ter aos 15 anos, chegava a casa de um amigo e estava com particular disposição para contrariar. Sabem como é, aqueles momentos em que resolvemos ser do contra porque sim, porque é próprio da juventude, porque a vida não nos corre como gostaríamos ou só porque faz parte da nossa natureza

Perante alguns argumentos de valor, pelo menos eu assim os entendia, e perante a minha clara e declarada vontade de seguir estudos na área do Direito, a mãe do meu amigo (que nesses tempos muito aturava os amigos do filho), emprestou-me um livro dizendo que eu daria um bom advogado do diabo. Uns anos mais tarde, disse-me que eu nunca lho tinha devolvido, que eu o perdi. Talvez, não me lembro, mas acredito que sim.

Pedro Rebelo O Advogado do Diabo

O Advogado do Diabo do Morris West

O Advogado do Diabo é uma obra escrita por Morris West em 1959 quando o autor, australiano, se encontrava em Itália a trabalhar como correspondente do Daily Mail no Vaticano. Eventualmente terá sido essa proximidade com a Igreja que o terá inspirado para esta e para as restantes obras em torno da temática tais como As Sandálias do Pescador, Os Palhaços de Deus e Lázaro.

Li o livro na altura e confesso, já me falham detalhes da história mas, foi de tal forma marcante para mim, que a expressão advogado do diabo é recorrente no meu discurso, muitas vezes utilizada em jeito de auto definição, justificando, da forma mais sincera possível, certas das minhas posições, muitos dos meus questionamentos.

A expressão advogado do diabo é a forma popular de referência a um membro da hierarquia Católica, o Promotor Fidei (Promotor da Fé), oficial da Congregação da Causa dos Santos, que desde 1588 é a prefeitura responsável pelos processos que levam à canonização dos santos.

Promotor Fidei, figura abolida da Igreja em 1983 pelo Papa João Paulo II, era um elemento do clero, versado em Direito Canónico, e que tinha como missão analisar de forma céptica mas muito próxima e detalhada, todas as possíveis falhas e incongruências na argumentação que sustentava os processos de canonização, desde a verificação de provas dos possíveis milagres às falhas de carácter dos indivíduos em causa.

No livro de Morris West, o advogado do diabo é um padre inglês, enviado a uma pequena cidade no sul da Itália para questionar o pedido de canonização que os habitantes dessa cidade fizeram para o padre Giacomo Nerone a quem são atribuídos vários milagres.

Na sua investigação, o advogado do diabo descobre que afinal Giacomo Nerone era um desertor do exercito inglês na Segunda Guerra Mundial e que, entre outros pecados, tinha um filho ilegítimo com uma mulher da vila.

Mas o advogado do diabo, sendo um padre é também um homem e, ainda que tendo sido escolhido para a função pela sua capacidade de distanciação (como refere o Cardeal que o nomeou: “nunca amou uma mulher, nem odiou um homem, nem sentiu piedade por uma criança”), não consegue evitar que no processo se criem relações com outros que, potenciadas pelo seu estado de saúde (sofria de uma doença sem cura que lhe degenerava o corpo) e pela reflexão sobre o que seria uma vida digna, lhe colocam dilemas a que o seu distanciamento sempre o tinha poupado.

O advogado do diabo hoje

Nos dias de hoje, a expressão advogado do diabo é usada muitas vezes como referência a quem argumenta contra determinado ponto de vista, sem particular crença ou objectividade, só pelo argumento em si. Não será o entendimento mais correcto. O advogado do diabo, apresentado de forma simples, será aquele que argumenta contra determinada posição, esmiuçando o mais possível todos os pontos que a fortaleçam, muitas vezes com o intuito de a testar e identificar potenciais falhas na sua estrutura.

Este fim de semana, na livraria da Cinemateca, encontrei O Advogado do Diabo. Não pensei duas vezes. A mãe do meu amigo, essa minha amiga, vai receber uma prenda. Mas acho que só depois de eu o ler outra vez.

p.s. E não, por favor, não digam que o advogado do diabo “é aquele do Keanu Reeves”. Se tanto, digam que é o Al Pacino.

 

O bacalhau estava no ponto. E infelizmente, as coisas boas a dizer do food corner do Chef Alexandre Silva no Mercado da Ribeira ficam por ai.

Acredito que outras pessoas tenham outras experiências. Acredito até, que numa outra visita possamos ter uma experiência diferente. Infelizmente, a visita que fizemos aos espaço do Chef Alexandre Silva este fim-de-semana, foi mesmo assim, menos boa.

Da ultima vez que tinhamos passado pelo Mercado da Ribeira para almoçar, chamou-nos a atenção a carta do espaço do Chef Alexandre Silva. Ainda que os pratos de carne se apresentassem com nomes particularmente atractivos (Barriga de Porco confitada, Hamburguesa de Boi ou Foccacia de Secretos), era por peixe que procurávamos nessa tarde e, coisas como Pica-Pau de Atum ou Bacalhau Confitado pareceram-nos boas apostas. Infelizmente, o Pica-Pau tinha acabado e isso desmotivou a estadia. Ficaria para uma próxima.

Regresso ao spot do Chef Alexandre Silva

E a próxima foi agora. Uma vez mais no Mercado da Praça da Ribeira para almoçar. Lá fora um calor infernal, lá dentro… Bem, se o Inferno (como dizia o Dante) tem sete níveis, digamos que estávamos no terceiro (ainda que não houvesse neve negra).

Mercado da Ribeira Pedro Rebelo

Depois da aventura que foi arranjar espaço para sentar (e sim, nós sabemos que a regra é primeiro ir buscar a comida e depois encontrar lugar mas convenhamos, isso resulta na maior parte das vezes em infindáveis minutos vagueando pelo recinto de tabuleiro na mão com todos os riscos que tal acarreta), lá fomos até ao espaço do Chef Alexandre Silva e, mantendo a carta a mesma oferta, foi simples a escolha: Bacalhau Confitado, salteado de broa, batatinhas, chouriço e azeite de trufa e, Pica-Pau de Atum, batata doce assada com mel e kimchi.

O tempo de espera não foi muito e isso poderia ser um ponto a favor mas, desculpem-me os menos críticos, vou ficar-me pelo elogio inicial: o bacalhau estava no ponto.

Os pratos do Chef Alexandre Silva

Se é certo que o bacalhau estava cozinhado no ponto, o mesmo não poderemos dizer das “batatinhas”. Aliás, como disse a Susana, dificilmente identificaríamos as “batatinhas” se não soubéssemos do que se tratava. Minúsculos cubos, quase cabendo entre os dentes do garfo, uns aparentemente salteados, outros literalmente crus. A broa, que deveria vir salteada, não a chegamos a ver ainda que acreditamos ser a base do caldo em que o bacalhau vinha a “nadar”. Sem um sabor distinto, uma base farinhenta que de tão fina não se conseguia “apanhar” com o garfo. Teria eventualmente um qualquer sentido se, pelo sabor adicionasse algo aos restantes elementos do prato mas nem por isso.

Bacalhau Chef Alexandre Silva Pedro Rebelo

Contrariamente ao caldo, já o chouriço, igualmente cortado em cubos diminutos, era de tão forte sabor que, mesmo não estando presente na garfada, facilmente fazia olvidar qualquer outro sabor do prato. Bacalhau? Estava no ponto. Sabor? Sabia a chouriço.

Veio depois o Pica-Pau de Atum e, sendo certo que não há tanto a apontar, é também certo que não havia muito por onde o fazer. Cubos de atum, ligeiramente (muito ligeiramente) braseados, parcos pedaços de batata doce assada e umas quantas folhas de rúcula pingadas, muito ao de leve, a mel.

Atum Chef Alexandre Silva Pedro Rebelo

Não digo que soltassem a fúria das sementes de sésamo ou papoila sobre o atum mas, sendo o braseado tão fraco, os pequenos pedaços de peixe pecavam por falta de textura sendo  a existente era um pouco bacenta e faltando algo de crocante que um toque mais de brasa lhe poderia dar.

Resumindo um desabafo que já vai longo, não ficámos convencidos. Aliás, nada convencidos. Acredito que noutro forum os pratos do Chef Alexandre Silva possam ter outro brilho, outro sabor mas, no seu espaço do Mercado da Ribeira, não nos vejo a repetir a experiência.

Há quem não acredite mas de igual forma há quem o tenha testemunhado. O melhor brief de sempre passou-me pelas mãos e dizia somente:

Preciso de um banner genérico para situações diversas.

Se já é verdadeiramente incrível que um brief como este seja passado a alguém, confesso que acho muito mais incrível a quantidade de vezes que tal acontece.

Pedro Rebelo - O melhor brief de sempre

Se a culpa é do Cliente? Bem, o Cliente terá culpa certamente mas essa não ficará sozinha, triste e abandonada, a ser motivo de escárnio e mal dizer em tudo quanto é agência. A ela se pode juntar a culpa dessas mesmas agências (ou dos profissionais que nelas trabalham) e que se recusam, perante o claro medo de perder o Cliente, a ensinar, a educar (sim, que dizer que os Clientes também precisam de aprender e de ser educados não é blasfémia. Diacho, os Clientes não são Deuses. São Clientes) e a contrariar o Cliente, quando nitidamente a situação tal requer.

Depois as coisas correm mal, os resultados não são os esperados e, em última análise, põe-se a culpa no mercado, na crise ou no que quer que seja que esteja com as costas largas no momento. A culpa nunca é do Cliente que apresentou um brief como este nem da agência ou profissional que disse “Sim senhor, é para já”.

Os medos são coisas sérias e devem ser entendidos como tal mas, deixar que os mesmos ditem as regras não me parece ser, de todo, o melhor caminho.

Talvez já tivesse passado pelo meu olhar, algures no passado, uma qualquer referência ao festival Burning Man (é bem provável considerando que existe desde 1986 e, de alguma forma está próximo de alguns dos meus temas de interesse) mas só este ano, numa aula de Cultura Pop (lecionada pelo Professor Dr. Jorge Rosa no âmbito do Mestrado em Culturas Contemporâneas e Novas Tecnologias da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa – fiquei cansado) lhe dediquei mais atenção, aquando da apresentação por parte de uma colega minha, de um trabalho em torno deste festival.

Fotografia de Erica Martin, publicada no seu blog
Fotografia de Erica Martin, publicada no seu blog

Mas o que é o Burning Man?

Para quem não conhece, trata-se de um evento que se realiza nos Estados Unidos, mais precisamente no Black Rock Desert ao norte do estado do Nevada onde, entre a ultima segunda-feira de Agosto e a primeira de Setembro, dezenas de milhares de pessoas se juntam para criar uma cidade efémera, como refere a organização, uma metropole temporária, dedicada à arte, à expressão pessoal e ao espirito de comunidade, com a grande particularidade de que, quase tudo nesta “cidade” é construído pelos seus “cidadãos” que se tornam assim, mais que simples visitantes, colaboradores activos do espaço desde a sua génese.

Todo o conceito se encontra envolto em inúmeras polémicas que vão desde o seu propósito (será uma expressão contra-cultura, um ataque ao estilo de vida capitalista, um espaço de puro niilismo?) até à mais recente “apropriação” por parte de grandes corporações, de espaços reservados a visitantes VIP, com direito a tratamento diferenciado onde, e citando uma participante, “em vez de re-educar o 1%, o espaço só serve para reforçar as divisões de classes no mundo real“, mas, independentemente disso, independentemente da forma como queiramos olhar e entender o evento, há um dado a que não passará alheio quem se debruce um pouco que seja sobre o Burning Man: é um espaço com uma imagética única, de uma riqueza visual extraordinária.

Fotografia de Erica Martin, publicada no seu blog
Fotografia de Erica Martin, publicada no seu blog

Burning Man, um espaço para Hippies?

Ainda que constantemente seja associado à estética (enquanto experiência do sensível, o que, neste caso em particular muito se adequa sem distinguir sentidos) hippie, o Burning Man é essencialmente, e como dá a entender Brian Doherty no seu livro This Is Burning Man: The Rise of a New American Underground, um espaço que podia ter saído de Mad Max, um espaço mais próximo de uma distopia futurista onde punks, cyberpunks, technopunks, steampunks e, como li algures, punk punks, vivem sabendo que o mundo lá fora é outro, com regras e ordens mas que ali, em Black Rock City, se podem esquecer delas (ainda que, como em qualquer distopia que se preze, esse esquecimento, essa liberdade, seja só uma ilusão).

Todo este ambiente contribui para a tal imagética que, só por si, faz do Burning Man um evento a considerar. Foi o que fez Erica Kelly Martin, fotografa que, tendo um entendimento bastante diferente do meu relativamente ao evento, registou imagens fantásticas que nos deixam com vontade de conhecer mais sobre o tema.

Fotografia de Erica Martin, publicada no seu blog
Fotografia de Erica Martin, publicada no seu blog

O Burning Man foi-me lembrado por um artigo no Lenscratch mas podem ver mais do trabalho de Erica sobre este evento no seu blog e no seu site pessoal.