A Cadeia Quinhentista pode não parecer o mais indicado nome para um restaurante mas, se o restaurante funcionar nas instalações de uma cadeia do século XVI a coisa já não soa assim tão estranha certo?

Sentemos-nos então na esplanada d’A Cadeia Quinhentista.

Somos recebidos pelo Sr. João Simões, o proprietário da casa e com a simpatia que se espera nas terras douradas do Alentejo é-nos sugerida a mesa. Trazem-nos um cesto de pão com várias qualidades que nos são de imediato identificadas caso dúvida houvesse (alentejano, centeio, tostas…). Fazemos a nossa escolha e o pão é retirado. Ainda que pareça inconveniente faz todo o sentido pois o pão iria ocupar na mesa espaço nobre sendo que não voltaria a ser chamado após as típicas azeitonas (não estivéssemos nós no Alentejo) e a manteiga. A agua (que a hora pedia já algo que realmente matasse a sede) refrescava já no frapê ao lado da mesa.

Enquanto verificávamos a carta, em formato original e a condizer com todo o ambiente, fomos brindados com um pequeno amuse bouche de degustação composto por duas doses de queijo com molho de maracujá e carapaus em molho à espanhola… Apresentação irrepreensível e sabor a condizer.

Eis que chega também a bebida com mais espírito uma vez  que a agua é boa mas o cante é diferente se regado com algo mais. O calor afastava o tinto e a ideia de algo bem fresco punha também de parte alguns brancos. Sangria. Uma sangria de espumante da Ervideira, bruto. Adocicada com Licor Beirão, alcoolizada com Macieira e encorpada com maracujás, pêssegos, morangos, uvas, abacaxi e maçãs. Um toque vincado de canela e alguma Sprite.

Raia de Peniche com vegetaisVem de entrada um queijo de ovelha gratinado com oregãos. Não é comum o servir de um queijo por inteiro como entrada e ainda bem pois a novidade deu um toque especial ao que seria um sabor a não esquecer. De confecção aparentemente simples, sem mais nada dá encanto ao prato. O facto de ser de ovelha garante que o sabor se mantém mesmo após a ida ao lume.

O prato de peixe é, por sugestão do proprietário, Raia do Atlântico Corada em Azeite com Coentros Frescos, batata primor, cogumelos “Portobello”e espargos verdes salteados em azeite de Estremoz.

É preciso dizer mais? Estava deliciosa e vindo de quem até não é grande apreciador do dito peixe…

Veio o prato de carne e este não foi escolha inocente pois ficou registado à primeira passagem pela porta d’ A Cadeia: Pataniscas de Enchidos de Porco Preto. Há como resistir a tal nome?

SPataniscas de enchidos de Porco Preto IIim, leram bem. Pataniscas. Aquelas, com muita cebola, salsa, feitas à base de farinha, ovos e leite. A diferença destas para aquelas que a avó fazia é que em vez de #bacalhau (desculpem o cardinal mas é do hábito) estas levam linguiça, paio tradicional e paia, tudo grosseiramente cortado e acompanhadas com legumes temperados a azeite de laranja. Resultado? A fotografia não faz jus ao encanto do palato. Outra maravilha o que ali estava no prato.

O ritmo do Alentejo é para ser apreciado e tal como dizia Miro, o empregado que com toda a simpatia e educação acompanhava de perto a nossa mesa, sem pressas. E nós não tínhamos pressa… A conversa agradável sobre a história do edifício abriu vontades à sobremesa que viria a seguir.

20090807_145432_DMC-TZ6_00940A escolha era difícil. Ovos, açúcar e requeijão para o Manjar Celeste ou o tradicional doce de Estremoz conhecido como Pudim d’Água à base de ovos, açúcar e, água. Uma vez mais, a pronta sugestão da casa e a partida para o Duo de Doces com Frutos Silvestres que mais não era que, o Manjar Celeste, o Pudim d’Água, uma bola de sorbet de limão e molho de frutos silvestres onde os ditos marcavam forte presença.

Que mais pedir? Tempo para visitar A Cadeia Quinhentista mais vezes.

O já habitual café vem delicadamente servido com a companhia de um pequeno chocolate e, para quem já se questiona, o “garoto clarinho” vinha efectivamente claro e quente. Para finalizar, tivemos o prazer de provar como oferta da casa um magnifico Licor de Bolota, com um delicado cheiro a caramelo, que enchia a boca quase sem se sentir deixando um agradável paladar a castanho. Inexplicável. Muito bom.

De comidas estamos conversados mas A Cadeia Quinhentista tem ainda um pouco mais para nos mostrar. Miro perguntou se estaríamos interessados em conhecer o resto do edifício ao que de imediato anuímos. Tal como referi atrás, trata-se de uma cadeia do século XVI e que funcionou como tal até à década de 60 do século passado como tal, teria certamente algo que ver. Nem nós sabíamos o quê.

Contrastando com o andar térreo onde todas as cadeiras e mesas são artesanalmente feitas em madeira e ferro num estilo que nos lembra a robustez do desígnio original do edifício, no primeiro andar encontramos um bar, com decoração moderna e mobiliário de design conjugado com a pedra tosca da parede e mantendo visíveis detalhes curiosos como a abertura no chão por onde se alimentariam os presos mais perigosos do andar de baixo (neste primeiro andar viviam os guardas da cadeia e seriam presas as mulheres – e por favor, vamos conter as eventuais relações). Esta sala tem ainda uma lareira que de Inverno fará certamente as delicias de quem ocupa a mesa junto à mesma (que segundo o Miro está constantemente ocupada, a estrela da noite).

É-nos ainda proporcionada uma visita ao terraço. Por escada estreita de degrau alto (ou não fosse uma construção quinhentista) chegamos ao terraço que, ainda em obras promete ser um ponto de referência em Estremoz. Todo madeirado e com uma banqueta a toda a volta, este terraço tem uma vista privilegiada sobre toda a cidade e já o imaginamos nas noites de Verão

Finalizamos a visita pelo piso de baixo (comemos na esplanada) onde as grossas paredes e as grades nas janelas não deixam esquecer o nome da casa. Bem providas de espaço, entre mesas individuais e mesas mais dadas à partilha de um momento com um pequeno grupo de amigos, as salas convidam a estar desde a apresentação à simpatia de quem nos conduz.

Resumindo, A Cadeia Quinhentista foi um acaso de sorte. Ter o condão de levar o Cliente a passar à porta e dizer “é aqui” não é para todos mas A Cadeia Quinhentista consegue tal feito. Mais, consegue-o à entrada e consagra-o à saída.

Restaurante A Cadeia Quinhentista
Tipo de cozinha: Alentejana / Toque de autor
Horário: Das 12:30 às 15:00 h e das 19:30 às 22:00
Preço médio: 35€
Morada: Rua Rainha Santa Isabel Castelo – 7100-509 ESTREMOZ
Telefone: +351 268 323 400
URL: http://www.cadeiaquinhentista.com/
Pagamento: Numerário / Cartões

Nota: Fica o meu muito obrigado ao Sr. João Simões que prontamente respondeu por e-mail à minha necessidade de esclarecer alguns pontos que me tinham escapado.

Já há pela web uma série de reviews ao restaurante Sofisticato mas mais uma não faz mal e além do mais todas as que por ai aparecem referem as pizzas. Fica a nota: Não há pizzas na actual ementa do Sofisticato. Não há nem fazem falta. Mas isso mais adiante.

Sofisticato. Em Santos. E sim, é sofisticado. Basta passar à porta para perceber mas assim que se passa “pela” porta acabam-se as dúvidas caso existam. Recebidos à chegada pela encantadora Sara e pelo não menos simpático Samuel, é-nos indicada a nossa mesa. Foi reservada a de canto ao fundo da sala. Boa escolha para uma noite descontraída e disponível.

Restaurante SofisticatoA sala só por si é um luxo. Um ambiente cosy, moderno, linhas direitas com toques de dourado a darem a pitada de classy que a casa inspira. As vigas de ferro à mostra são colmatadas com meia pintura a roxo mostrando uma robustez com gosto. As mesas são cuidadosamente apresentadas, o padrão da toalha batendo com o padrão do guardanapo e que prazer é fugir ao guardanapo branco. Nada contra é certo mas, uma cor, um padrão, é sempre bom para variar. Aqui foi.

A ementa é-nos apresentada numa moldura dourada. Os luxos não devem ser modestos. E a sofisticação com classe é um luxo a merecer nada menos que uma moldura dourada. Outra moldura vem à mesa com a carta de vinhos. Uma nota para esta onde maioritariamente se apresentam vinhos italianos sendo de contar com dois ou três portugueses e duas escolhas a copo (uma de tinto e uma de branco) que não constam da carta. Não será porém preocupante pois em caso de desconhecimento a explicação e conselho de qual o melhor vinho para acompanhar determinado prato é prontamente dada.

Para a mesa o azeite balsâmico e o pão para entreter mas mesmo sem ele ficaríamos contentes. Guloso por demais, valeu o rápido serviço ou mais teria sido comido o que roubava espaço ao prazer das iguarias por vir.

De entrada um Carpaccio dello Chef, finas fatias de novilho cru, com pequenas lascas de cogumelos frescos, queijo parmesão, cortes de aipo e molho de mostarda em grão. Acreditem, entendidos ou não, deixem lá a rúcula para os coelhos. Entre o aipo e a mostarda venha o diabo e escolha. Uma combinação de outro mundo.

Para a mesa vieram também as Polpette di Parmigiano e antes que as apresentem digo-vos já que só por si, estas bolinhas davam uma excelente refeição. São umas almôndegas, de bom tamanho, panadas, de queijo fumado, queijo parmesão e fiambre. Em dose grande para entrada, estas densas iguarias são de um ligeiro picante (dever-se-à ao queijo fumado) que vai tomando conta do paladar aos poucos. Tal como referi atrás, só por si, uma refeição.

A cada prato entrado a apresentação devida e o cruzar de conversas é constante. Quer a Sara quer o Samuel são bons conversadores e com noção dos timings. A casa é evidenciada mas acima de tudo fala-se da experiência da mesa, do comer, do beber e do estar.

Eis os pratos principais. Risotto Verde. De grão graúdo com espargos silvestres e espinafres, alho francês em boa dose e um toque de manjericão. Verde sem qualquer dúvida. Consistência ideal, o prato mais não mostra porque risotto é risotto. Muito bom e fica a dica: Um só toque de decoração. Não distrai do conteúdo e ajuda aos olhos que como sabemos, também comem.

No SofisticatoE é chegada a vez do Spaghetti Neri Alla Astice que é como quem diz, um prato de esparguete negro, meio lavagante aberto e com casca, algumas gambas (estas descascadas como pede o bom senso), boa dosagem de ameijoas frescas e limpas e muito tomate cherry, flambeado em brandy e vinho branco. A experiência do marisco com a massa é, infelizmente, pouco usual por terras lusas mas, tal como nos disse o Chef, Alessio Carrer, não é fácil cozinhar esta mistura, tem “segreto“. E uma coisa é certa, funciona. E de que maneira.

Infelizmente era o único a beber (entenda-se beber como beber e não provar que foi o que fez a Susana) e seria quase sacrilégio pedir uma garrafa de um qualquer dos italianos da carta e deixar por meio (o quente da noite não chamava a grande aventuras etílicas) e assim sendo optei pelas sugestões do copo sendo que provei um Fiuza 3 Castas para o branco e um Quinta da Alorna para o tinto. Acompanharam devidamente sem um qualquer encanto especial mas seria esperado. A refeição pedia algo mais no liquido e garantidamente a próxima visita ao Sofisticato vai proporcionar tal momento.

Para sobremesa, porque apesar de satisfeito uma refeição deste calibre não podia fechar sem uma sobremesa, a escolha recaiu sobre a Panna Cotta com molho de frutos vermelhos. De entre as opções a mais leve ainda que havia por lá uns pêssegos que ficaram a tilintar mas que da próxima não escapam. A Panna Cotta estava especialmente boa, com uma textura e densidade que há muito não provava em tal doce e completamente em sintonia com a espessura do molho.

A refeição terminou como de costume com um café e um garoto que, não vindo tão claro como o requerido, pela excelência do serviço, simpatia e qualidade da comida, não mereceu novo pedido. A acompanhar dois cálices de Limoncello, oferta da casa, para complementar o gostinho a Itália.

Resumindo, a experiência no Sofisticato foi verdadeiramente boa. A disponibilidade da casa serviu para criar relação o que é particularmente interessante neste tipo de restaurantes em que, com alguma familiaridade se descobrem facilmente pérolas escondidas da carta. A sugerir e voltar garantidamente.

Restaurante Sofisticato
Tipo de cozinha: Italiana / Toque de autor
Horário: De terça a quinta e Domingo, das 18:30 às 23:00 – Sexta e Sábado, das 18:30 às 24:00
Preço médio: 35€
Morada: Rua São João da Mata 27, 1200-846 LISBOA
Telefone: +351 213 965 377
Pagamento: Numerário / Cartões

Fim de tarde de Domingo. A ideia de ir conhecer A Taberna Ideal já cá morava e esta parecia ser uma boa oportunidade. Uma taberna, uma verdadeira taberna era o melhor que poderia acontecer aos comensais que acabavam de ter uma muito má experiência num exemplo de sucesso na restauração Lisboeta mas sobre esse assunto falará quando entender o meu amigo Ricardo. Hoje aqui, é A Taberna Ideal a estrela. Bem, não à Estrela mas em Santos (desculpem o trocadilho mas estava mesmo aqui à mão).

A nossa mesaChegados à Rua da Esperança 112 vimos de imediato que a casa estava já quase cheia. Desde logo bom indicador. Domingo de Agosto em Lisboa e restaurante cheio ou só de fama ou a comida tem mesmo que ser boa.

Fomos recebidos à porta pela Tânia a quem explicamos o infortúnio de não termos reserva (ficamos assim: se telefonarem para lá e vos atender o voice mail, não desistam, liguem novamente) e que de imediato se prontificou a ver se ainda por lá havia um cantinho para nós. Um chega daqui aperta dali, por nós sem problema, ficamos na mesa do canto. Era para dois mas com boa vontade, bom petisco e bom vinho cabem quatro à vontadinha.

A Taberna Ideal não é bem uma taberna no que toca ao seu ambiente e até mesmo estilo visual.

Imaginem-na mais (enquanto lá não vão) como a sala de estar da avó que quando esta vai à missa, o avô transforma em tasca p’rós amigos. Ai está. A Taberna Ideal. Entre mesas e cadeiras sem par, mármores e madeiras bem usadas e faianças entre a flor e o cavalinho eis que nos é apresentada a casa. Na sala temos a Tânia, o Rafael e a Cláudia. Na cozinha, de mão cheia, a Susana. A ementa, bem meus amigos (sim, que ali facilmente nos sentimos em casa de amigos), está frente aos vossos olhos, escrita pelas paredes à vossa volta.

Diz-nos a Tânia que por ali se prega o espírito da partilha e que para quatro à mesa nos aconselha uma tiborna, dois petiscos e dois pratos. Que assim seja então e para entrada venha assim uma tiborna de queijo de cabra com alecrim e mel.Tiborna de queijo de cabra com alecrim e mel Este tão esquecido appetizer (gostaram?) adorado em tempos pelas gentes do Sul do pais apresentou-se aos olhos com a mesma cara que ao paladar: Lindo.

Para a mesa veio ao mesmo tempo, servidos em dose abundante, os ovos mexidos com alheira da casa sobre farta fatia de pão. Saborosos os primeiros e não menos a segunda. Tudo no ponto (e nem sempre é fácil quando se misturam enchidos ao ovo). A mesa ainda sem espaço e já esperavam por nós as migas de camarão. Ainda que não as imagine ao balcão de uma qualquer tasca a acompanhar um copito de 3, aqui ficaram muito, muito bem. Eles estavam mesmo por lá…

Depois chegaram então os pratos principais. O rei da noite dava pelo nome de Cachaço de porco preto com migas de batata. A acompanhar vinha ainda uma salada de alface envinagrada q.b. (que o porco preto tem o seu quê…). Cachaço de porco com migas de batataTudo delicioso. As migas com a textura correcta e a peça de carne a desfazer-se na boca. Dizia-se por ali que o mais provável era pedir segunda dose de tão bom que estava.

O segundo prato foi uma adaptação livre e como tal um pouco mais demorada do pedido original. Ao ver que não havia mais massa fresca foi-nos questionado se estaríamos interessados noutro prato ou na mesma massa com camarões mas deixando a parte da fresca para outro dia. Venha de lá esse esparguete que fica a fresca para a próxima. Ora o esparguete normal tem um tempo de cozedura um pouco (simpático não?) maior do que a massa fresca. Valeu a espera. Cozido al dente, com os camarões descascados, bem salteada e com muita salsa. Uma vez mais, bastante satisfeitos.

Tudo isto foi regado a Quinta de Cabriz Tinto Reserva de 2005. Havia muito por onde escolher no campo vinícola e boa surpresa, muito vinho servido a copo. Venham mais casas Lisboetas a adoptar esta medida que todos nós agradecemos.

As sobremesas

Bolo de Cacau, Crumble de Maçã e Salame de Frutos SecosEstranhávamos não ver por ali qualquer referência às sobremesas. Bem procurávamos e, aparentemente, podíamos continuar a procurar… Uma vez mais a Tânia deu a dica: Crumble de Maçã, Bolo de Cacau ou Salame de Frutos Secos coberto com chocolate derretido (receita da avó, abençoada avó). Qualquer um dos propostos nos fazia pensar que a soma das partes seria algo de quase divinal. Assim foi. Foi-nos proposto uma combinação dos três que de imediato aceitamos e bem-dita a hora. O crocante do Crumble, o suave do cacau e o diferente, muito diferente salame… Fantástico.

A prova dos nove, aquela que já aterroriza algumas casas menos dadas a coisas simples, o garoto muito, muito clarinho, só leite quente com uma gota de café. Eis que chega perfeito à mesa. E não há cá pacotinhos de açúcar que na casa da minha falecida avó também não havia dessas modernices. Uma bonboneira de vidro com açúcar amarelo que também adoça e não faz tanto mal.

Finalizando, A Taberna Ideal fez nessa noite de Domingo novos amigos, daqueles que prometem voltar. E de preferência em breve que ainda lá há muito a experimentar.

Restaurante A Taberna Ideal
Tipo de cozinha: Portuguesa / Petiscos tradicionais com um toque urbano
Horário: De terça a sexta, das 19:00 às 02:00 – Sábado e domingo, das 13:30 às 02:00
Preço médio: 20€
Morada: Rua da Esperança 112-114, 1200-658 LISBOA
Telefone: +351 213 962 744
Pagamento: Numerário / ???


Como já vem sendo tradição, o mês de Agosto é reservado para os restaurantes que se coleccionam durante o ano e que a presença da pequena Patrícia não nos deixaria apreciar convenientemente. Não que ela nãos se porte bem e à altura de um qualquer restaurante de primeira mas, como qualquer criança de 5 anos, o tempo que se aguenta sossegada numa cadeira de restaurante é por demais limitado para que se possa usufruir dos prazeres de uma aprumada amesendação (desculpem lá os que não gostam do termo mas, estas coisas neo-românticas sempre me fascinaram).

Desta feita o primeiro da lista foi o Gemmeli. A revista Blue Wine faz questão de o colocar entre as suas escolhas de eleição. O nome do Chef é referenciado quando se fala de modernidade, qualidade e apresentação. Muito bem. Vamos então descobrir os encantos do restaurante italiano que não tem pizzas ali à rua de São Bento.

A porta fechada recebe-nos com um aviso. Toque à campainha somente uma vez. Efectivamente não foi preciso mais que isso. A porta abre e umas escadas indica-nos que a sala de jantar será lá em cima. A recepção é logo à entrada após confirmação na lista da reserva efectuada. Consta. Estranhei não ver um sorriso mas nem todos nascemos com ele e isso nem sempre é mau sinal.

Levados à mesa de bom grado nos deparamos com uma mesa à janela, panorâmica, espaçosa. A rua lá fora, São Bento um pouco abaixo. Primeira observação, para um jantar às 22h30m a sala está bem composta.

A decoração é simples mas moderna e agradável. Começando nos pequenos candeeiros que pendem junto às mesas acabando nas básicas cortinas que protegem meia janela. Mais floreado desviaria a atenção do essencial: o que estava para vir.

Dois Martini bianco, em dose certa ainda que talvez com um pouco, só um pouco, de gelo a mais. Tempo dado para a devida conversa e chega à mesa um pequeno amuse bouche” em forma de sopa de feijão branco. Muito bom. Ainda a abrir um falafel com recheio de queijo que estava igualmente saboroso.

Vem depois o pão (que não podia faltar). 4 variedades diferentes, quente a pedir ser comido. O azeite extra virgem vem à mesa e por lá fica para nosso deleite e onde se espera que acompanhe a travessa de queijo Grana Padano. Por mim, mais um fã.

A dança de pratos começa então com um “pequeno pudim de camarão sobre cama biológica” onde uma leve almofada individual com sabor a camarão é servida sobre umas folhas de rúcula e pequenas folhas de alface tendo por companhia pequenos toques de pimento vermelho.

O prato seguinte foi uma pasta Orecchiette com legumes cortados finos, requeijão e um pesto de manjericão. Muito saborosa, lá arranjaram forma de me pôr a comer courgettes.

Para fechar os pratos de porte, um magnifico risotto de azeitonas negras desidratadas com finas fatias de novilho em topo e molho de fois gras. A consistência que se quer, num grão que ainda que grado, parecia o indicado para o prato.

A refeição acima foi convenientemente acompanhada na sua primeira parte (até ao risotto entenda-se) por um suave PV Branco (infelizmente sem registo datado), um Douro com uma acidez discreta e muito fresco. Já a segunda parte da refeição se fez sentir com o peso de um tinto que das Beiras nos trouxe um paladar encorpado e notas de fruta vermelha. Ao primeiro contacto o Quinta do Cardo 2005 marcou a boca mas de imediato se fez notar como um acompanhamento de bom tom.

A sobremesa apresentou-se na forma de um ragu de frutos tropicais com gelado de 3 sabores a saber: Café, Baunilha e Manjericão. Também aqui levado a comer os frutos que per si não comeria, entre a calda fresca lá se comeram e quanto aos gelados, enquanto a baunilha sendo boa não deixa história (por ser comum não por que não o mereça) o de café marca bem a posição e vinca o sabor. O manjericão ganha pela originalidade e pelo paladar que facilmente limpa a boca.

O café e o garoto (claro. Leite quente e gota de café em temperatura correcta) fecharam a mesa.

Nota final ao serviço que prestável e atencioso pecava por vezes pela suavidade com os pratos nos eram enunciados sendo que entre a voz baixa e a pronuncia afincadamente estrangeira por vezes levavam ao pedido de repetição. Nada que manche a ideia da casa.

O Gemelli está claramente aprovado e incluído na lista de regresso. Não é casa de todo o dia que o preço a tal não deixa mas é claramente mais um daqueles sítios a que vale a pena voltar para um bom momento de mesa.

Gemelli
Rua Nova da Piedade 99 – Lisboa
1200-297 LISBOA
telf: 213952552
Das 12:30 às 15:00 e das 20:00 às 24:00
Preço médio: 45 euros

nota: Este artigo foi igualmente publicado no site No Prato com… Façam favor de o visitar para outras tantas boas sugestões gastronómicas.

Já aqui escrevi sobre o Fatias de Cá e sobre os bons momentos que com o Fatias de Cá se passam por esse pais fora mas mesmo assim não custa (é sempre um prazer) lembrar o que são e o que fazem.

O Fatias de Cá é um grupo de teatro criado na década de 70 do século passado e que segue como lema uma frase atribuída a Galileu Galilei: “Não resistir a uma ideia nova nem a um vinho velho“.

Começar a apresentação do Fatias de Cá com a frase acima não é de forma alguma um acto inocente. Basta assistir a uma das suas representações para se perceber porquê.

Com opções estéticas sui generis que vão do aproveitamento do património (seja ele natural ou construído) para compor os seus palcos e cenários até ao partilhar com o público os momentos de refeição (que podem ou não estar enquadrados na peça) em que actores e audiência sociabilizam entre dentadas e copos de tinto, o Fatias de Cá consegue representações espectaculares graças aos seus mais de 100 membros activos que fazem o que fazem essencialmente por gosto de o fazerem. Quem tiver dúvidas sobre tal facilmente as esclarece quando em animada conversa de repente se virem frente a um Fatia, com oitenta anos, a falar sobre os espectáculos que já fez e os que estão já agendados para fazer…

Do Convento de Cristo em Tomar ao Castelo de Almorol, passando pelo Palácio Pancas-Palha em Lisboa ou pela Distilaria da Brogueira em Torres Novas, o Fatias de Cá vai criando amigos em cada representação, daqueles que fazem centenas de quilómetros para lá ir, uma vez mais, passar um bom bocado.

E foi o que nós fizemos no fim de semana passado. Filha em casa da avó e lá vamos nós para a Brogueira. Abençoado GPS que a descobriu logo à porta do Hotel de Torres Novas.

Seis da tarde e o Sol a caminhar para a cama. Entrem por favor. A reserva já está feita. Sentem-se um pouco enquanto esperamos a peça começar. Há agua e vinho, chouriço pão e azeitonas para petiscar.

A Festa de Babette

A Festa de Babette está preste a começar. Foi um filme na década de 80. Dos bons mas dramalhão e não sendo feito em Hollywood a coisa não tem o mesmo impacto. Segue para a sala ao lado e são apresentadas as personagens. Martinha e Filipa (na Dinamarca levariam ph mas por cá não é preciso) são as filhas de um pastor que as quer levar (e a toda a sua comunidade) à salvação através da renuncia. A coisa vai como vai sempre em casa de bom pastor (conhecem mais algum exemplo bem sucedido?).

Conhecemos em mais detalhe cada um deles. Os que lá estão, os que vão chegando e os que pensam não voltar (ou que talvez não voltem pois se sai tenente e volta general não volta o que saiu) e chega então Babette. As lutas em Paris por volta de 1870 correram com ela de lá. Morto o filho, morto o marido e sem mais por quem lutar, Babette segue o conselho de um ombro amigo que lhe deu a conhecer a existência de gente simples e humilde, devota, e a quem Babette poderia servir por dedicação.

Serve-se a sopa.

Os anos passam-se, e noticias chegam de longe. Babette é agora rica com 10.000 francos da lotaria de Paris. Pede às senhoras que a deixem preparar um banquete, um banquete especial, um banquete à Babette. Por tanto lhes ter dado sem nunca ter pedido, lá lhe dão tal liberdade com uma nota: Virá um general…

Vamos à mesa (não nós mas eles). É impossível resistir ao corpo de Cristo (a receita das Cailles en Sacophage está aqui no New York Times) que é servido à mesa. Por mais que a renuncia seja modo de vida… O general sabe destas coisas, doutros tempos, doutras vidas e de um café de Paris, o Café Anglais

Não vos vou contar mais. Vão até lá. Digam que vão daqui ou então não digam nada.

No fim, voltamos à mesa. O arroz de tomate, as pataniscas e os panados satisfazem mas a conversa sacia. Já é tarde, eles querem certamente descansar e nós também. Amanhã tentamos reservar outro espectáculo. Noutra terra, com as mesmas gentes ainda que possam ser outras pessoas…