Eis que temos nova edição de Time Warp Again, a #4. Desta vez pensei numa edição mais centrada, focada num tema, um estilo, uma certa sonoridade. Esqueçam lá isso.

Seguindo o critério “gosto, está bom”, uma vez mais procurando entre os discos de vinil cá de casa, descobri pérolas escondidas em LP’s insuspeitos e em singles empoeirados. Também há coisas novas, acabadas de chegar, do outro lado do mundo, e do outro lado do mundo (sim, foi de propósito).

Só me falta inspiração para escrever e como tal, sem mais delongas, Time Warp Again #4.

 

O que podem ouvir no Time Warp Again #4? A saber:

Johnny Cash
Debbie Williams & The Unwritten Law
Goldie & The Gingerbreads
The Kinks
The Delmonas
Otis Redding
Jerry Lee Lewis
Nichollas Mariano
The Paper Kites (Featuring Maro)
Galen & Paul
Robert Gordon (With Link Wray)

E o Time Warp Again continua. Depois do Time Warp Again #2, o episódio numero 3, que da chamada música do mundo ao Southern Gospel, do Reino Unido ao Brasil, de Lima a Nova Iorque, vos quer levar numa (ou várias) viagem no tempo e no espaço, sem que tenham que sair do lugar (também podem, se quiserem). São cerca de 35 minutos de música, saída dos discos de vinil que há cá por casa, uns novos e outros nem por isso, mas todos com história para contar.

Para mim, o Time Warp Again é também um momento de descoberta, uma vez que me leva a ouvir coisas que ainda não tinha ouvido (sim, tal como o Umberto Eco não leu todos os livros da sua biblioteca, também eu não ouvi todos os meus discos), e a ouvir de forma diferente outras que não ouvia há muito. E a descoberta é aprendizagem. Os mundos que a música nos dá a conhecer vão muito além daqueles três minutos que dura uma canção.

Espero que também para vocês o Time Warp Again seja o mote para novas explorações sonoras.

 

O que podem ouvir no Time Warp Again #3? A saber:

Bab L’ Bluz
The Animals
Dr. John
Chacalón y la Nueva Crema
Solomon Burke
Dean & Britta
The Miller Sisters
Lee Fields
The Poets
Célia

Time Warp Again. Para alguns de vós o nome terá sentido; conheceram a primeira versão nos tempos da pandemia, Time Warp Em Vinil, uma tentativa de fazer um podcast a partir dos discos de vinil que há cá por casa. Correu mal. A ideia era boa, a implementação falhou, a inspiração também. Coisas da vida.

Time Warp Again, discos de vinil no Digital

Dois anos mais tarde, os discos de vinil continuam a acumular cá por casa e, por muito que eu goste de os ver e ouvir por aqui, sempre tive a ideia de que o que mais gosto neles é o descobrir e partilhar a música que neles encontro. Jantares com amigos é uma boa forma de o fazer, mas não chega.  E é essa a ideia de partilha que me traz aqui, a apresentar-vos Time Warp Again, uns minutos de música, de tempos passados, presentes e, quem sabe, futuros (só ouvindo), acompanhados de uma ou duas palavrinhas.

E sim, vem tudo dos meus discos de vinil. Se podia fazer isto com uma playlist no Spotify? Talvez (ainda que eu tenha a certeza de que tenho discos cujas músicas não estão no Spotify), mas não era a mesma coisa. Pelo menos para mim.

E porque raio começo com o número 2? Porque penso que está melhor que o número 1. Eventualmente, um destes dias, também aqui publico o #1, mas convenhamos, se quiserem muito ouvi-lo, não é difícil de encontrar.

Ouçam, deixem os vossos comentários, criticas, ideias. Pode ser que o próximo seja ainda melhor.

 

O que podem ouvir no Time Warp Again #2? A saber:

Nancy Sinatra
Caís do Sodré Funk Connection
Ghetto Brothers
Green Peppers
Jackie Wilson
The Ides Of March
Lebron Brothers
La Femme

Há uns tempos, num daqueles raros dias que chego a casa a horas decentes, aproveitei ser o primeiro a chegar e fui fazer o jantar. Até chegar à cozinha, passei pela sala e pus um disco de vinil a tocar. Música é sempre boa companhia. Era o Forever Changes, dos Love… Ironicamente, já perceberão porquê.

Musica Disco em Vinil Forever Changes

Passado um pouco, toca a campainha. Confirmando que se tratava da Susana e da Patrícia, abri a porta do prédio, deixei a porta de casa encostada e voltei para a cozinha (sim, que comida ao lume é coisa séria demais para se deixar sem companhia).

Ao entrarem em casa, a Patrícia foi ter comigo e a primeira coisa que me disse foi “Pai, a música está um bocado alta não?“, ao que lhe respondi que era era normal, uma vez que estava na cozinha e queria ouvir música mas, além disso, estava sozinho em casa, podia ter a música mais alta, sem incomodar ninguém. Pensava que a razão fosse clara e que a coisa ficava por ali. Não ficou. Quase de imediato a Patrícia pergunta “Então mas não tinhas comprado uns headphones no Natal para isso?”.

E naquele momento, deparei-me com a tal realidade dos mundos paralelos, que uma vezes se entrelaçam formando a trança perfeita e outras simplesmente colidem, com mais ou menos força, de forma mais ou menos brutal. E pode não parecer, mas foi brutal. Principalmente porque foi por causa da Patrícia que voltei a ouvir música em casa, que voltei a ouvir discos em vinil, no dia em que lhe quis mostrar o valor da música. Enfim, foi um choque. Aquele momento de “ouve lá a tua música, no teu canto, sem incomodar” foi o que mais incomodou.

Afinal, entendemos a música de forma diferente.

Não há nada de estranho no diferente entendimento da música, não é estranho que os gostos musicais sejam diferentes e que a forma como se ouve a música seja diferente. Eu próprio gosto de ouvir música de forma diferente em conformidade com o mood com que me encontro. O choque foi causado pela percepção dos caminhos diferentes. Eles crescem.

E foi com essa ideia de caminhos diferentes que resolvi abrir um novo caminho para mim, aqui, na Internet. Abrir e não seguir pois continuarei por aqui, no browserd.com, a escrever os meus desabafos costumeiros sobre o que me vai na alma (essa desgraçada), mais a reclamar do que outra coisa. No entanto, ali ao lado, no Sapo Blogs, abri o Gira Discos, um blog onde pretendo partilhar com quem tiver interesse em tais coisas, os discos em vinil que vou adquirindo, a sua história e, eventualmente, a minha história com eles.

Não sei se o Gira Discos vai durar, que regularidade vai ter, nem tão pouco a forma do dito está já bem definida mas, por enquanto, está lá, vai crescendo, com gosto, no seu próprio caminho, diferente.

Passem por lá, vejam se gostam, comentem, sugiram, subscrevam… e depois voltem.

Regina Spektor não é um nome novo para os leitores do browserd.com. Foi há mais de 10 anos que aqui escrevi sobre Soviet Kitsch, na tarde em que ouvi Regina Spektor pela primeira vez.

Desde então a jovem Regina Spektor (na altura tinha 25 anos mas pelos padrões actuais, aos 36 posso continuar a chamar-lhe jovem certo?) já marcou presença mais umas quantas vezes por aqui, quer em fugazes referências (como quando um ano mais tarde relacionava Ghost of a Corporate Future com a fantástica God’s Away On Business de Tom Waits), embasbacado com um concerto (como o intimista e muito bem disposto concerto que deu em Cascais em 2010) ou após ouvir um novo disco (quando comprei What We Saw From The Cheap Seats, em 2012).

É precisamente com um novo disco, Remember Us To Life, que volto a escrever sobre esta que é uma das minhas artistas favoritas.

Regina Spektor Remember Us To Life Vinyl Deluxe Edition

O registo de Regina Spektor nunca foi vulgar, longe disso. Da voz de efeitos desconcertantes aos arranjos musicais, passando obviamente pelas letras das suas canções, tudo em Regina Spektor é, como escrevi em 2005, estranho, mas um estranho bom, um estranho que nos faz querer mais, um estranho que nos faz querer conhece-lo mas que a cada novo álbum faz questão de manter a tal estranheza, garantindo que há ali uma história a ser contada, uma história para ser ouvida.

Depois de um amargar de tom em What We Saw… (mesmo que mais acessível), com que Regina Spektor mostrou uma maturidade crescente, eis que nos brinda agora com uma obra ainda mais negra mas que nem por isso deixa de ter a elegância a que já nos habituou nem o cheiro a flores que sempre marcou os seus discos.

Em Remember Us To Life Regina Spektor parece querer levar-nos a uma viagem pelos sombreados das emoções, lembrando-nos do quão boas podem ser e simultaneamente, quão devastadoras. Ainda mal começou e já nos deixa de rastos:

Someday you’ll grow up and then you’ll forget
All of the pain you endured
Until you walk by, a sad pair of eyes
And up will come back all the hurt
And you’ll see their pain as they look away

Nada a fazer. Never never mind your bleeding heart. E a coisa continua. Porque a vida é isso, business as usual. E Regina não faz por menos. Sem percebermos bem se é uma ameaça ou uma promessa (dúvidas que nos assolam), diz-nos que envelhecemos mas que nem por isso a vida se torna mais leve. Tudo o que precisamos saber é que estaremos sós até deixarmos de estar, estaremos por cá, até partirmos. Aproveitar enquanto podemos. Parece uma ameaça não é?

Estranhamente invadem-nos as cores pastel, quando Wes Andreson encontra os Eagles e o Hotel California se funde com o Grand Budapest Hotel, no sitio onde há um túnel directo para o Inferno.

Room service, mini-bar
Scented soaps, chauffeured cars
Stay a day, stay a week
Here’s the tunnel, take a peek
Just call up your friends at the front desk
Any hour at the front desk
Call up your friends at the Grand Hotel
You’ll always have friends at the Grand Hotel

Há bonés e correntes douradas também, quando Eminem e 50Cent parecem surgir do nada, na visualmente arrepiante Small Bill$. Os avisos continuam, é perigoso dormir profundamente (o sono é a antecâmara da morte?). E há fotografias a preto e branco, em Black and White, de tal doçura tocada que facilmente nos faz passar pelas lágrimas que anuncia. Devastadoras as emoções lembram-se?

E até quando os nomes nos parecem mostrar uma luz ao fundo do túnel, desenganem-se os incautos, a luz nem sempre é o que parece e em The Light isso não podia estar mais presente. Que melhor forma de o mostrar do que cantando I know that wrong and right can sometimes look the same, So many things I know, but they don’t help me. Mesmo quando nos diz saber que não há nada de errado.

Sim, tudo em Regina Spektor é estranho. Ela mesmo o diz em The Trapper and The Furrier. Que estranho mundo aquele em que vivemos, em que caçadores e negociantes de peles entram no paraíso. E donos, e gerentes e advogados e farmacêuticos… E de repente, estamos novamente nas paisagens quase distópicas a que tão facilmente ela nos leva.

A negritude continua, a escuridão, a vida. O que somos senão entidades incompletas? Radicalmente diz ser Obsolete. Não concordo. Há uma distância abismal entre a incompletude e a obsolescência. Acho que ela sabe disso mas sabe também que é através de palavras mais fortes que de quando em vez nos fazemos ouvir. A introdução marcou o tom:

This is how I feel right now
Obsolete manuscript
No one reads and no one needs
Pages lost, incomplete
No one knows what it means

E eis que Regina Spektor avisa: Winter is comming

As memórias são parte essencial da nossa vida. As boas e as más. E como se no palco de um musical da Broadway nos encontrássemos, sabemos que o Verão passa, que o Outono também, sempre a correr, para que chegue o Inverno. O das nossas vidas? Lá chegaremos. A idade é a máquina que lá nos leva mas é nesse Inverno que tendemos a esquecer… E no final de tudo, quando não há quem viva o suficiente para contar, quem será o vencedor pergunta ela? Talvez só o Inverno. Todos os Invernos direi eu.

O disco termina com The Visit e uma vez mais, Regina Spektor parece querer enganar-nos, apanhar-nos desprevenidos e desiludir-nos. No bom sentido. Desfazer a nossa ilusão. I’m so glad that you stopped in sussurra ela ao nosso ouvido às primeiras notas do piano. Embala-nos suavemente, levando-nos a colocar o pé, ouvir o click, sentir a armadilha a apertar quando nos diz:

Time’s best friend is fear
That’s how it can find us
And do its greatest kindness
Always to remind us
That it’s our only time inside
This body and this mind

Este é um daqueles discos que sai para o mercado com uma versão Deluxe, neste caso, mais 3 faixas: New Year, The One Who Stayed and the One Who LeftEnd of Thought  e basta olhar para estes títulos e a história completa-se.

Do alarme a tocar aos 5 minutos para a meia-noite, com a garrafa que vazia fica no corredor enquanto esperamos por um melhor ano que está por chegar, a ser mais uma cara, só mais uma cara na multidão, existente num gigantesco, imensurável Universo, onde cada decisão deve ser bem pensada, tudo tem um sentido.

No final, talvez pareça faltar alguma da leveza, da frescura, mesmo mais ácida, de outros discos. Mas na realidade não falta. Este disco é um reconhecer, é um aceitar da tal negritude, da sombra como parte integrante da vida. Saber que ela existe, saber que ela lá está, lá esteve, sempre, faz com que a possamos gozar melhor, contornando, aproveitando, vivendo.

E eu tenho agora mais uma razão para ter a Regina Spektor como uma das minhas artistas favoritas. Já vos tinha referido isso?