Porque não aceito ser caracterizado como alguém que não tem vida própria (nem tão pouco amor próprio para todos os efeitos) só pelo facto de ter uma filha, entendi por bem deixar claros alguns factos relativamente a minha posição sobre o artigo “Pessoas sem filhos vs pessoas com filhos” publicado na P3 do jornal Público.

Pessoas sem Filhos vs pessoas com filhos
A Patrícia, claramente a impedir-nos de ter uma vida própria.

Até casar nunca gostei das sextas-feiras. Depois de casar passei a gostar das sextas-feiras e depois de nascer a nossa filha o gosto passou a verdadeira adoração. Aguardo verdadeiramente a oportunidade de poder estar mais tempo com ela, de fazer mais coisas com ela;

Sempre gostei de cinema. Antes da nossa filha nascer ia ao cinema com a Susana. Agora vamos os três. E também vamos ao IKEA a três;

Nunca fui a um ginásio. E se precisar de relaxar… Bem, não seria a primeira vez que para relaxar a família dá um passeio a um qualquer jardim por exemplo;

Sempre fomos Cliente de restaurantes. Fomos a muitos antes da nossa filha nascer e a outros tantos depois dela nascida. Garanto que nunca deixámos de ir a um restaurante por não ter cadeiras para bebés. Aliás, desde bem cedo que a Patrícia se recusou a tais coisas substituindo-as por almofadas ou listas telefónicas;

O primeiro Sábado à noite em que a nossa filha saiu, com 4 meses, foi visitar a festa do vinho do Bombarral. No segundo Sábado à noite em que ela saiu, já mais velhinha, com 5 meses, visitou o Toupeiro em Óbidos, onde fez companhia aos pais e aos tios até perto das 4 da manhã;

Tinha a nossa filha 5 anos e, durante meses, eu e a Susana assistimos todas as noites a dois episódios de Os Sopranos antes de nos deixarmos dormir no sofá;

Antes de a nossa filha ter nascido eu gostava de bolos, torradas, sumos de laranja, leite e café ao pequeno-almoço. E ovos com bacon. Depois da Patrícia ter nascido continuo a gostar e sabem que mais? Ela também;

Antes da Patrícia ter nascido, sempre tivemos livros e revistas na casa de banho. Depois da Patrícia nascer continuamos a ter. Como ela gosta de ler as nossas revistas, a coisa funciona bem. A porta da casa de banho não tem chave e todos achamos que comparar os momentos na sanita com um chá no sofá é algo que não merece maior atenção;

Tal como antes da nossa filha nascer, de quando em vez vamos ao supermercado. Fazemos compras. E voltamos para casa. E no dia em que a nossa filha se perdeu de nós, ainda mal andava sozinha, ao ver um homem de farda (o segurança do supermercado) foi até ele e disse-lhe “senhor polícia, não sei da minha mãe“. Não deixámos de ir a supermercados por causa disso;

Antes de termos uma filha, nós íamos dormir. Agora é a nossa filha que nos manda dormir;

Antes da Patrícia nascer acordávamos com o despertador. Depois da Patrícia nascer oferecemos-lhe um despertador. Mas continuamos a ser nós a ir ao quarto dela dizer “são horas de acordar”;

Uma das coisas que gostamos de fazer com a Patrícia é ir a esplanadas. E o cabeleireiro mesmo na porta ao lado da nossa pode confirmar quantas vezes lá vai a nossa filha;

Apesar de termos uma filha, não fazíamos ideia de quem seria a Xana Toc Toc. Perguntámos à Patrícia e ela disse-nos que é um personagem de um canal infantil. Sim. Pronto. Já sabemos;

Cá por casa, mesmo antes da Patrícia nascer, já gostávamos de sobremesas. Quando ela nasceu não vimos razão para deixar de gostar. De chocolate não somos grande admiradores mas, coisa que gostando ou não nunca faríamos é comer ás escondidas dela;

Antes de termos uma filha viajávamos com duas malas (exceptuando para Nova Iorque cidade para a qual nunca haverá malas suficientes). Agora continuamos a viajar com duas malas. A Patrícia leva a dela. Mochila deixamos de usar há já muitos anos. Já a Patrícia usa-a e bem carregada. Aos seis anos, quando foi acampar longe de nós pela primeira vez, por 10 dias, a mochila que levava era quase do seu tamanho;

Diacho, não me lembro de quando comecei a dizer diacho mas tendo em conta que lia as aventuras do Capitão Marvel (Shazam para os amigos) quando era miúdo, acredito que o Diacho já venha de longe, antes da nossa filha nascer. Ainda assim, já esta semana perguntei à Patrícia o que raio queria ela dizer com “What the f…” Ao que ela me respondeu “Era What the f… Force pai, what the force…”;

Lembro-me que antes da Patrícia nascer vimos a primeira temporada do 24 num fim‑de‑semana. Agora, com a Patrícia, perguntamos-lhe se prefere ver Dexter, Hannibal, Blacklist, Modern Family ou The Big Bang Theory. Há dias em que não lhe apetece nada disso. Paciência. Vemos nós;

Antes da Patrícia nascer, tínhamos o hábito de mudar de camisa todos os dias independentemente desta ter nódoas ou não. Depois da Patrícia nascer, por estranho que possa parecer para algumas pessoas, continuamos a ter o mesmo hábito.

Resumindo, sobre Pessoas sem filhos vs pessoas com filhos

Ontem escrevi noutro fórum que, uma pessoa que defina as pessoas com filhos  com uma total ausência de vida própria só pode ser parva. Admito o meu erro. Não o deveria ter feito. Não ali, num espaço que não é meu. Aqui no entanto, a história é outra.

Aqui, mesmo tendo uma filha, posso praguejar como um estivador (sim, a nossa filha conhece as asneiras e o que significam) mas não me parece que seja caso para tanto. É só caso para dizer que, caracterizar quem tem filhos como o texto referenciado caracteriza, é parvo, ridículo e triste.