Ontem ao chegar a casa, esperava-me a Patrícia com o habitual sorriso nos lábios. É uma das coisas boas de ser pai, isto dos sorrisos… Estava eu no quarto quando ela a preparar-se para tomar banho, salta de repente para cima da minha cama e diz:

Estás a ver pai? É bom quando nos divertimos. Mas os adultos às vezes não se divertem… É só trabalho, trabalho…

Como a conversa foi dali ao Fernando Pessoa confesso que já não sei mas, uma vez mais, esta rapariga não pára de me surpreender. Ainda na cama, lemos os dois um pouco da Ode Triunfal. O ritmo de Álvaro de Campos impressionava-a e ao mesmo tempo fazia com que esperasse por mais…

Quis mostrar-lhe que nem todos os Pessoas são assim. Disse-me que já sabia ou já teria eu esquecido a exposição do Fernando Pessoa que fomos ver?

Saltei da cama e enquanto ela ficava a tentar apanhar o jeito às máquina infernais da Ode Triunfal, fui à sala procurar O Livro do Desassossego.

Patrícia a ler Fernando Pessoa - Pedro Rebelo

O meu desejo é fugir. Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao que amo. Desejo partir – não para as índias impossíveis, ou para as grandes ilhas ao Sul de tudo, mas para o lugar qualquer – aldeia ou ermo – que tenha em si o não ser este lugar. Quero não ver mais estes rostos, estes hábitos e estes dias. Quero repousar, alheio, do meu fingimento orgânico. Quero sentir o sono chegar como vida, e não como repouso. Uma cabana à beira-mar, uma caverna, até, no socalco rugoso de uma serra, me pode dar isto. Infelizmente, só a minha vontade mo não pode dar.

Serviu também de historia de embalar… E que bem sabe quando já deitada, coberta e aninhada, a ouço dizer:

Somos mesmo parecidos pai.

 

One thought on “A aventura de ser pai.

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