Há dias assim. Há dias melhores e dias piores. Há dias bons e dias menos bons. Há até dias maus. E há músicas que encaixam perfeitamente nesses dias. Sejam eles bons, maus ou nem por isso. O disco Sketches of Spain de Miles Davis tem algumas dessas músicas e, como sei que todos nós temos por vezes “dias assim”, hoje gostava de vos apresentar uma delas.
O Concierto de Aranjuez
Não será fácil imaginar a viagem desde os jardins do Palacio Real de Aranjuez, na Madrid do século XVIII, até a East 30th Street na Nova Iorque dos anos 60 mas, tal é a beleza da obra escrita por Joaquín Rodrigo em 1939 entre sonhos e pesadelos, que da guitarra clássica chegou ao trompete de Miles Davis, dando-nos a cada nota uma imagem do tal jardim, dos recantos floridos, dos lagos de agua corrente, dos pássaros a cantar mas também das sombras entre frescas e frias e do escuro que fica quando cai a noite. Miles Davis disse que ouviu o Concierto de Aranjuez pela primeira vez quando um amigo o pôs a tocar numa das suas digressões pela costa oeste norte-americana e que depois disso o ouviu durante semanas até que não o conseguisse mais tirar da cabeça. Ouve-se e percebe-se porquê.
A música mais longa
Pegando no segundo movimento do Concierto, o adagio, Davis cria juntamente com Gil Evans, a mais longa musica do disco, com uma duração de 16 minutos e 19 segundos mas leva-nos ainda assim, numa suavidade por vezes quase angustiante, a escutar na esperança que não acabe, que dure só mais um pouco, tal é a constante promessa de que melhores dias virão… Ou nem por isso. Assim é a vida. Assim é o jardim.
Tal como num jardim, também aqui há uma ordem. Preparem-se para um fantástico trabalho de orquestra, o tal encadear da natureza que, com todos os sons disponíveis, cria uma tela imbricada que nos envolve de tal forma quase nos levando a acreditar que ali, está tudo o que existe. Não é o típico jazz de Miles Davis, não é a obra do improviso a cada tempo, houve até quem chegasse a perguntar se era realmente jazz. Miles Davis respondeu “É música, e eu gosto.”.
Ninguém acorda de manhã decidido a gostar de Jazz. Bem, penso que não. Eu, por exemplo, não me lembro de como comecei a gostar mas lembro-me bem do que me trouxe de volta a ele depois de ter ficado lá atrás, no fundo da prateleira, durante muitos anos… E acredito que é sempre assim, que há algo que nos leva ao Jazz, que há um momento, um filme, uma série, um livro ou uma fotografia, qualquer coisa, há sempre algo que nos leva ao Jazz.