Pois é verdade sim senhor. Information overload ou que raio lhe queiram chamar. Alguns certamente não irão mais longe do que o já clássico “deixar tudo para a última” mas, deixem que lhes diga, estão enganados. Ainda faltam pelo menos 72 horas para essa tal de última e eu estou aqui, frente à folha em branco, verdadeiramente dedicado ao que será, certamente, um bom trabalho. Será. Não tenho dúvidas quanto a isso. Já quanto à efectivação temporal da acção expressada no verbo…

Volto agora que já desabafei com o mundo, a olhar para o que me é pedido.

Até já.

Aquando da minha passagem pela Universidade, da minha primeira passagem quero eu dizer, há uns quantos anos atrás, havia um procedimento que era verdadeiramente ritual sempre que se realizava uma prova escrita. Também se procedia da mesma forma nas provas orais (sim, havia orais e em alguns casos, obrigatórias) mas nem sempre se levava à letra. A grande maioria das vezes, os alunos que chegavam à prova oral, eram bem reconhecidos pelos professores. De ginjeira.

Ora bem, o tal procedimento era relativamente simples. No dia do exame, cada aluno deveria ter em cima da mesa, a folha de exame, invariavelmente rubricada pelo professor quando entregava o enunciado, o referido enunciado e, pasme-se, o Bilhete de Identidade. Sim, esse arcaico e desproporcional documento de identificação nacional que, mal por mal, mais parecença menos semelhança, lá permitia identificar a pessoa presente na sala como sendo a pessoa cujo nome constava na lista de candidados a realizar o exame.

Ao fim de um ano e meio na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, onde o regime presencial não é obrigatório (pelo menos no curso de Ciências da Comunicação), constato que, nada impede que alguém bem dotado de conhecimentos em determinada matéria, se faça passar por aluno e realize uma prova escrita em nome de outrem.

Como invalidar tal prova? Se um aluno não é obrigado a comparecer às aulas, o professor não é obrigado a conhecer o aluno logo, esta cara em nada será diferente daquela cara.

Eu sei que a grande maioria dos meus actuais colegas universitários nunca terá ouvido falar n’ A Turma dos Repetentes (Les Sous-doué no seu original de 1980),  mas este filme francês de gosto duvidoso estava na cabeça de muitos estudantes universitários no inicio da década de 90 e garantidamente, não pelas melhores razões…

Leva-me a pensar no que se terá passado. Terá aumentado o nível de confiança dos professores universitários nos alunos ou terá baixado o nível de preocupação com os resultados finais?

Não é uma critica e muito menos uma acusação. É efectivamente uma constatação de um facto que me causa alguma estranheza. A resposta poderá eventualmente ser simples ou até óbvia e, moldado por uma anterior experiência, eu não a reconhecer.

Que vos parece? O que terá mudado? E relativamente à questão em concreto, que pensam? Poderá um aluno menos bem intencionado, levar a cabo tal esquema?

Não costumo personalizar o destilar de veneno que por vezes, como a qualquer mortal, me assola a alma mas, haverá sem duvida na vida de cada um de nós, aquelas pessoas que, independentemente do quão boas pessoas sejam, amigos até, fazem subir à tona o mais amargo fel.

Atenção que tenho muito boas amizades que sem qualquer pejo afirmam que, uma conversa comigo que não em pleno antagonismo, não será certamente comigo mas com uma qualquer entidade alienígena que terá ocupado o meu corpo (amiga, sem revelar o teu nome, eis que aqui te presto singela homenagem. Falo em ti no site dos desocupados.).

Flui assim tão clara prosa tendo como referente algo ouvido um destes dias numa aula de Fotografia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas: Não ligo a comentários de bancada!

A discussão que levou a tal barbaridade ficará para posterior reflexão deixando-vos somente a pista de que, no âmago da mesma estava a eterna questão do que é a arte e de quem a define. É porém para este solto pedaço de verve, indiferente a causa.  É a forma e o contexto que aqui torna estranha, inapropriada e completamente absurda a afirmação:  Não ligo a comentários de bancada!

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas; Curso: Ciências da Comunicação; Variante: Comunicação, Cultura e Artes; Aula: Fotografia; Sala: Anfiteatro.

Anfiteatro raios. Num sistema de ensino magistral em que de forma a que muito valor dou, o professor a certa altura permite o debate. Onde? Na bancada. Na bancada, onde os ânimos se exaltam, onde o coração bate mais forte, onde, permitindo o professor, todos se sentem com o direito à palavra.

Não valerá a pena entrar em temas históricos, não valerá a pena trazer uma vez mais, mil exemplos que a vida já nos mostrou (ainda que alguns só tenham visto 500, ou porque são jovens e disso não têm culpa, ou porque não querem ver e isso faz deles parvos)…

Escreveu uma noite, Sua Eminência o Arcebispo de Cantuária, sobre este que vos escreve hoje:

Homem que estuda Foucault enquanto analisa e comenta um desfile de Versace.

Ora assim sendo, e fazendo jus às palavras de tão ilustre personagem, relembremos o primeiro com o brilho ofuscante do segundo, relembrando palavras, palavras que ele disse para a bancada, tentando, esperando, suscitar o comentário:

Não há, de um lado, a categoria dada uma vez por todas, dos discursos fundamentais ou criadores; e de outro, a massa daqueles que repetem, glosam e comentam. Muitos textos maiores confundem-se e desaparecem, e, por vezes, comentários vê tomar o primeiro lugar (…).

Por agora, gostaria de me limitar a indicar que, no que se chama globalmente um comentário, a diferenciação entre texto primeiro e texto segundo, desempenha dois papeis que são solidários. Por um lado, permite construir (e indefinidamente) novos discursos: O facto do texto primeiro pairar acima dos outros textos, a sua permanência, o seu estatuto de discurso sempre reactualizável, o sentido múltiplo ou oculto que passa por ser detentor,  a reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos, tudo isso funda uma possibilidade aberta de falar. Mas, por outro lado, o comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, que não o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro. Ele deve, segundo um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao qual não escapa, dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito e repetir incansavelmente, aquilo que, no entanto, jamais havia sido dito.

Michel Foucault in «A Ordem do Discurso», aula inaugural do Collège de France, pronunciada em 2 de Dezembro de 1970.

Comentava alguém no Facebook e passo a citar:

…para todos os efeitos, no quadro da legislação nacional, o acto de estudar é considerado trabalho, sendo o estudante um trabalhador passivo.

Admito que não conheço tudo quanto é lei e como tal, se me puderem elucidar sobre o tema agradecia.

Pelo Código de Trabalho, o estudante é reconhecido no Capitulo I, Secção II, Subsecção VIII, artº 79 e seguintes mas enquanto trabalhador-estudante, figura bem definida e que, só por si, faz bem a distinção entre estudante e aquele que trabalha ao definir o estatuto de trabalhador-estudante diferenciando-o do estudante certo?

Imagino ainda algumas contrariedades provenientes da teoria (a ser somente uma teoria) do estudante ser um trabalhador. A ver: Lembro-me de estudar para o exame da 4ª classe (sim, eu fiz exame da 4ª classe). Teria o quê? 10 anos? Bem, era estudante. Não muito. Preferia ler banda desenhada e apanhei uns valentes acoites por causa disso mas, para os devidos efeitos, era estudante. Será exploração infantil aquilo que os pais fazem quando nos obrigam a estudar? Estará o Estado a incorrer em crime quando eleva a escolaridade obrigatória aos 16 anos? Uma vez que não vale a pena andar na escola se não se estudar (logo, se não se for estudante) e, ao mesmo tempo, não se pode trabalhar antes dos 16. É proibido por lei sabiam? Logo, se um estudante é um trabalhador… Bem, fico à espera que me elucidem sobre o assunto.

Eu não fiz greve. Ao chegar aos portões da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e já depois de ter estado por duas horas no meu trabalho, fui impedido de entrar pela porta principal. Tudo bem. Ao que me parece, não o poderiam fazer mas, não estamos aqui para chatear ninguém. Sem problema, viro costas e sigo para a entrada alternativa… Como não podia deixar de ser, alguém do “piquete” tinha que fazer um comentário jocoso… Podia ser só o que foi depois, um «podias ser solidário» mas não. Primeiro teve que vir o «és fraco».

Pois que não entendo. Onde é que está a fraqueza? Em não me assustar com um grupo de indivíduos com cara de poucos amigos (vá lá, alguns tinham acabado de acordar e outros talvez já estivessem de “piquete” desde manhã cedo. Entende-se.) que barravam a porta do estabelecimento de ensino onde queria entrar? Ou talvez a fraqueza estivesse em querer aproveitar, dar bom uso, ao dinheiro que pago anualmente para poder frequentar o tal estabelecimento de ensino. Pois… Homem que é homem borrifa-se nessas coisas… «Ah e tal, pagas e ainda vais pagar mais…». Pois. E por isso, o melhor que posso fazer é mesmo não ir às aulas (que paguei e pelas quais ainda vou pagar mais) e ficar à porta a tocar tambor…

Quando comecei a frequentar a FCSH, várias vezes ouvi «fascista», «capitalista» e coisas do género. Vantagens de entrar na cantina de fato e gravata. Um ano depois, aqueles que tinham interesse em conhecer-me, em saber porque raio ando eu de fato e gravata, já conhecem, já sabem. Muitos já sabem até quais os meus pontos de vista sobre a politica, a economia, a educação, a cultura, enfim, sobre a sociedade em geral. Já não ouço as tais palavras d’ordem (que valem pelo que valem, no fogo do momento).

Foi engraçado ouvir hoje alguém chamar-me «fura-greves». Principalmente porque ao que me pareceu, quem me chamou «fura-greves» mal tinha nascido quando eu fiz greve pela primeira vez. Dá-se o caso, curioso, de que quando nessa altura fiz greve, até já usava fato e gravata mas lembro-me como se fosse hoje, que nunca desrespeitei o direito de quem não a queria fazer. Aliás, haverá certamente muito boa gente, que concordando com a greve, quer gozar esse mesmo direito e não a faz.

O mais grave foi saber que houve alunos (e eventualmente professores) a quem foi dito à entrada da FCSH, que não havia aulas. Era mentira. E isso, é desrespeito.

Estávamos em 1991. Sim, alguns de vós, meus colegas de faculdade que por aqui passam, ainda não tinham nascido. Como escrevia, estávamos em 1991 quando me cruzei com Heidegger pela primeira vez. Entra pela sala de aula adentro (com óbvia permissão da Sra. Professora Isabel Freitas pois seria impensável alguém entrar numa sala de aula dela sem a sua permissão) uma criatura, que não me lembrando do nome, me causou uma daquelas sensações de estranheza inexplicáveis.

O jovem aluno de Filosofia que nos vinha falar de Heidegger carregava o semblante amorfo de alguém a quem as drogas tinham claramente causado algum dano psicológico.

Não as drogas que ele tivesse experimentado – não precisava, era aluno de Filosofia – mas sim as que os pais ou talvez até os avós, tinham certamente consumido em excesso. Foi o que pensei… E ainda ele não tinha começado a falar…

O tema que na altura nos ocupou as horas seguintes foi a Desilusão de Heidegger. Lembro-me como se fosse hoje, a forma como nos foi explicado que a desilusão seria uma coisa boa, seria, ao contrário do que o senso comum e a aculturação nos ensina, o fim da ilusão, logo, o encontro da verdade, logo uma coisa boa. Conseguem certamente imaginar, não só a boa impressão com que fiquei de Heidegger, mas também, a quantidade de vezes que nos últimos 20 anos usei esta referência…

Eis que chega 2010. Chega também Arte e Comunicação, uma cadeira da opção de Comunicação Cultura e Artes do curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Dizem que quem corre por gosto não cansa. Há ditados parvos, parvos, parvos.. Chega Heidegger e «The Question Concerning Technology».

A prata é aquilo de que é feito um cálice de prata. Enquanto uma matéria determinada, a prata responde pelo cálice. Este deve à prata aquilo de que consta e é feito. O utensílio sacrificial não se deve, porém, apenas à prata. No cálice, o que se deve à prata aparece na figura de cálice e não de um broche ou anel. O utensílio do sacrifício deve também o que é ao perfil de cálice. Tanto a prata, em que entra o perfil do cálice, como o perfil, em que a prata aparece, respondem, cada uma, a seu modo, pelo utensílio do sacrifício.

Temo agora, e eu não sou de grandes temores (ainda hoje não estou certo de que o ser humano seja na sua essência uma criatura de bem), que alguém ao olhar para mim, ponha em causa a sobriedade dos meus pais ou avós. Fica a declaração de que, tanto quanto sei, não eram dados a cenas ilegais e nunca participaram em testes para farmacêuticas…