Dedicado com muito amor e carinho (porque sou um tipo amoroso e carinhoso) a todos os meus ex-colegas do Millennium bcp que se chateavam comigo cada vez que os “obrigava” a ouvir musica pop japonesa ou incontáveis horas de clássicos do jazz de New Orleans. Entendo hoje como tais coisas poderiam ser maçadoras e até incomodativas, atrapalhando a concentração e logo a produtividade de quem tanto queria paz e sossego para poder trabalhar.

Deixo-vos assim com uma obra que certamente vos encantará e mais ainda, vos lembrará de todos os bons momentos em que eu acedia aos vossos pedidos e parava a musica…

Ouçam, com atenção. E alto de preferência. Bem alto.

E o que aconteceria se vocês vissem o Filho do Homem subir para onde estava antes?

João 6:62

Roy Batty, o lider natural dos Replicantes rebeldes, para além da figura de força e resistência sobre-humanas e da sua inteligência ao nivel da genialidade, é também, na minha opinião, a personificação de um imaginário religioso que, ainda que confuso diacronicamente pelo filme, enquadro em vários momentos da imagética cristã.

Os Anjos

Na busca pelo seu criador, Roy Batty encontra Chew, designer genético, fazedor de olhos, e interage com o mesmo parafraseando o poeta americano William Blake:

Fiery the Angels fell,
Deep thunder rolled around their shores,
Burning with the fires of Orc.

Note-se porém a diferença para o poema original:

Fiery the Angels rose, & as they rose deep thunder roll’d
Around their shores: indignant burning with the fires of Orc
And Bostons Angel cried aloud as they flew thro’ the dark night.

É aqui que surge a primeira referência a anjos. Mas os anjos que Roy refere são outros, são os anjos caídos. Anjos tal como ele, de volta à Terra, contrariamente ao plano superior do seu criador, num acto de rebelião.

Ascensão e falsos Deuses

Roy continua a sua demanda em busca de respostas, não só para si, mas também para os seus numa referência claramente messiânica, e ascende a Tyrell, criador. Ascender não é usado em vão. O elevador leva Roy à presença de Tyrell, o criador do novo mundo, o que se encontra para lá das nuvens, o que vê o Sol.

Tyrell Corporation Los Angeles

O edifício da Tyrell Corporation é o único em toda a cidade onde é possível vislumbrar o astro rei. No seu topo. Mas Tyrell não é endeusado só por essa imagem. A cidade parece ser construída para si, parece quase viver para si, em sua volta. Tyrell é assim um Deus. E é esse mesmo Deus que diz a Batty quando este o esclarece da razão da sua presença:

The light that burns twice as bright burns half as long. And you have burned so very very brightly, Roy. Look at you. You’re the prodigal son. You’re quite a prize!

“Tu és o filho pródigo.” O criador apresenta assim, a sua criação, como seu filho. De Querubim de Ezequiel a Cristo. O que se segue poderia justificar a oposição a esta perspectiva. O Filho não mata o Pai. Se tanto, seria o Homem, Sua criação também, que (a considerar Zaratustra tal como o declarou Friedrich Nietzsche em Also sprach Zarathustra: Ein Buch für Alle und Keinen) mataria Deus, e nunca o Seu filho.

O que se passa a seguir pode levar a uma nova interpretação. Batty continua a interpelar o “pai”, dizendo-lhe em tom de confissão, que fez coisas questionáveis (uma vez mais, a revelação da humanidade) ao que Tyrell lhe responde que foram também coisas memoráveis e que a seu tempo, as valorizará. É então que Batty termina a sua interjeição afirmando:

Nothing the God of biomechanics wouldn’t let you in heaven for.

Mas que Deus é este de quem ele fala? Não seria Tyrell certamente. Porque Tyrell não o deixou entrar no Paraiso, não lhe deu o descanso procurado, não o tornou Homem. Como refere Mark T. Conard em “The Philosophy of Neo-Noir”:

As acções de Batty mostram a sua concordância com a declaração de Satre: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido.”

E Batty toma a face de Tyrell nas suas mãos, beija-lhe os lábios e esmaga-lhe o crânio tirando-lhe também os olhos. Este não era afinal o seu Deus.

Roy Batty e Tyrell no Blade Runner

A cena foi afinal, uma representação dramática de um complexo de Edipo que fica por resolver. O pai não queria perder o controlo, o filho assume a sua independência à força.

Como escreve Lisa Yaszek no The self wired: technology and subjectivity in contemporary narrative, “literalmente matando o homem que lhe dera origem”.

Já aqui vos deixo muitas pistas sobre o caminho que este texto leva. A ideia é clara, ainda que não simples. Arrojada, improvável mas ainda assim, capaz de deixar semente em espera que aguas a façam germinar.

A ver vamos se amanhã se esclarece…

O que é verdadeiramente ser humano? Quais as consequências morais de fazer o papel de Deus? E quando nos esquecemos delas, quais as implicações disso na nossa vida?

Blade Runner - O inicio

No inicio do séc. XXI, a TYRELL CORPORATION levou a evolução dos robots até à fase NEXUS – um ser virtualmente idêntico a um humano – conhecido como Replicante. Os Replicantes NEXUS 6 eram superiores em força e agilidade, e eram pelo menos iguais em inteligência, aos engenheiros genéticos que os criaram. Os Replicantes eram usados fora da Terra como mão-de-obra escrava, na perigosa exploração e colonização de outros planetas.

Depois de um sangrento motim de uma unidade de combate de Replicantes NEXUS 6 numa colónia fora da Terra, os Replicantes foram declarados ilegais no planeta – sob pena de morte. As unidades especiais de polícia – Unidades de Blade Runners – tinham ordens para atirar a matar, assim que detectassem qualquer Replicante transgressor. A isto não era chamado de execução. Era chamado de reforma. Los angeles 2019.

Um pequeno grupo de Replicantes (ciborgues artificialmente criados através da engenharia genética, mais próximos dos clones do que dos robôs e banidos da terra depois de uma revolta sangrenta), liderado por Roy Batty, regressa à Terra em busca do segredo da vida, algo que lhes permita ultrapassar o limite de 4 anos com que os seus corpos são programados. Nessa altura, um antigo Blade Runner (policias especialmente treinados como detectives e caçadores de recompensas), Rick Deckard, é chamado para voltar ao activo e reformar (do inglês retiring) de vez, os Replicantes rebeldes.

A cena inicial do filme mostra-nos bocas-de-fogo que explodem sem parar numa noite de luzes. A associação a uma realidade pós-apocalíptica é imediata, sem necessidade de expressa declaração. As ruas da cidade mostram-se imundas, repletas de sub-gente (como lhes chama Bryant, chefe da Unidade Blade Runners quando diz a Rick Deckard ‹‹You know the score, pal. If you’re not cop, you’re little people.››).

Sabemos que tem que haver quem viva outras vidas pois as sensações de sufoco e atrofio que as imagens dos prédios em volta nos dão só podem vir de mais gente, que imaginamos parada, nos sofás, frente e ligada a máquinas. No entanto, não entendo nisto uma construção da tecnologia como sendo por natureza maléfica. Deckard diz aliás em certa altura:

Replicants are like any other machine. They can be a benefit or a hazard.

Como entende Jyanni Steffensen em Decoding Perversity: queering cyberspace, a crescente dificuldade em destrinçar os humanos dos Replicantes vai minando a dicotomia positivo/negativo de natureza/tecnologia.

Olhos. Janelas da alma

Blade Runner - Olhos Janelas da Alma

Um olho gigantesco faz a ponte para a cena seguinte mas serve ao mesmo tempo para nos chamar à atenção desde logo, para a importância do globo ocular no desenrolar da história. Se no Frankenstein de Mary Shelley, o olhar da criatura mostra a sua inumanidade, em Blade Runner é  através do olhar que a mesma pode ser comprovada.

Os Replicantes são detectados através de uma máquina, Voight-Kampff,  que mede algumas das emoções humanas através de respostas biológicas como a dilatação involuntária da íris, uma versão reminiscente da máquina de Turing. Os Replicantes usam os olhos só para ver enquanto os humanos expressam por eles algumas das suas emoções. A ausência de tais emoções, particularmente, as provocadas pelas memórias, é a confirmação da chamada condição inumana.

A condição inumana e a representação de humanidade

A condição inumana dos Replicantes é talvez a maior representação de humanidade no filme. Os Replicantes colocam questões filosóficas sobre a sua existência. Querem, de certa forma como os humanos, saber quem são e o que fazem aqui. Marcel Danesi em Messages, signs, and meanings: a basic textbook in semiotics and communication diria que é  uma consciência do Eu a despontar.

Também o surgir das emoções, memórias e até as fotografias que as sustentam, elevam a névoa na distinção entre homem e máquina. Veja-se o caso de Rachel, a Replicante femme fatale , ícone da problemática Replicante, nunca sendo o que parece, por quem Deckard acaba por se apaixonar. Rachel não tem conhecimento de ser um Replicante. É na relação com Rachel que Deckard se interroga pelo contrário. A sua falta de sentimento, a sua frieza para com a função que lhe foi incumbida, de “reformar” os Replicantes, será porventura sinal dele próprio estar além da humanidade.

Mais humanos que os humanos

Também a representação dos humanos como menos humanos do que seria de esperar não é inocente. Veja-se quando de entre os humanos temos Gaff o polícia, que é coxo, Chew o fabricante de olhos, que parece saído de um livro fantástico ou J.F. Sebastian, o engenheiro genético que sofre de envelhecimento acelerado (para não referir novamente as criaturas mutantes que controlam as ruas).

É entre os Replicantes e não entre os humanos, que se visualiza um conceito de família. Eles sofrem uns pelos outros, na perca e na paixão que os leva a agir em busca do seu objecto de desejo: vida.

Mas ao mesmo tempo que estes Replicantes parecem ser verdadeiros humanos, eles parecem ser também, paradoxalmente “Mais humanos que os humanos” (More human than human é o slogan, a assinatura da Tyrell Corporation, criadora dos Replicantes.) principalmente o seu líder, Roy Batty.

A ver vamos se amanhã continuamos a conversa.

p.s. Se eu podia escrever sobre qualquer outra coisa hoje? Podia. Mas não seria a mesma coisa…

Ernst Stavro Blofeld e o seu gato
Estarei a criar a futura líder do SPECTRE?

Sentada no cadeirão, com o Browser ao colo e enquanto lhe faz umas festas na cabeça, diz a Patrícia:

Pai, sabias que todos os génios do mal se sentam no cadeirão com um gato ao colo enquanto fazem os seus planos?

Tremo por breves instantes, revejo toda a estratégia educativa numa fracção de segundo e logo de seguida penso “Se não for eu a conquistar o Mundo, então que sejas tu”. E respondo:

Pois é. Curioso filha, muito curioso…

Razões para comprar um IPad? Há muitas certamente. Quem diz um IPad diz um tablet ou até mesmo um mais simples e garantidamente mais barato e-reader.

No meu caso particular, as razões mais evidentes são aquelas que se podem ver na fotografia abaixo. 3 enormes sacos de razões. Enormes e muito, muito pesados sacos de razões. Chamar-lhes razões ou anos e anos de revistas Wired vai neste caso dar ao mesmo.

Razoes para comprar um ipad

Já tinha cancelado a minha reserva da Wired na Livraria Tema dos Restauradores há uns meses mas o problema, mesmo não aumentando, mantinha-se: montes de revistas em casa fazendo com que de quando em vez lá caísse mais uma prateleira ao chão. E se os infindáveis quilos de papel de alta qualidade da revista Monocle se deixam revisitar de tempos a tempos, e se até mesmo cada numero da SFX apela de tempos a tempos à revisitação, a Wired, verdadeira bíblia da comunicação (e da vida) digital, parece (e é) datada a cada novo numero que sai, a cada mês que passa.

A tecnologia tem com o tempo uma relação critica e a escrita sobre a tecnologia vive essa relação de forma ainda mais intensa.

Assim, como já tinha decidido não mais comprar livros técnicos (e se quiserem eu depois dou-vos a minha definição de livros técnicos) em papel e como também não quero de ler revistas como a Wired (e sim, outras mais como as semanais cá do burgo), o IPad será uma compra com sentido. No dia em que o comprar. E hoje ainda não é véspera desse dia.