Quem passou pelas aulas que dei em torno dos Social Media e da Cultura Digital em geral, recorda-se certamente da imagem abaixo e da forma como a apresentei: Apocalipse.

e depois, morremos.

Relacionado com ela, sempre disse que este Caos em que nos encontramos (necessário para dar à luz uma estrela que dance, já dizia o velho Zarathustra) não é obrigatoriamente mau. Ele existe, é um facto. Saber que este Caos existe, saber o mais que pudermos sobre ele, são mais valias.

Vem isto a propósito da vida que levamos, das famílias, dos trabalhos e em última análise, dos aniversários dos amigos.

Em dias como o de hoje, diacho, em anos como este, recordo amiúde as sábias palavras de David Byrne em Road to Nowhere:

Well we know where we’re going
But we don’t know where we’ve been
And we know what we’re knowing
But we can’t say what we’ve seen
And we’re not little children
And we know what we want
And the future is certain
Give us time to work it out

Disse o autor na altura do lançamento do disco Little Creatures: “Queria escrever uma canção que apresentasse uma versão resignada, até alegre, do nosso destino, da nossa morte, do Apocalipse.”. E é isso mesmo. Estamos cá, vivemos e depois morremos.

É só estúpido não aproveitar o tempo com um sorriso nos lábios, com palavras e gestos de amor para quem amamos, num constante desejo de que, quando partirmos, os que cá fiquem possam seguir esse caminho e fazerem por ser ainda mais felizes. É só estúpido, porque depois, morremos.

“O meu nome é Toby Ziegler e eu sou Director de Comunicação da Casa Branca…”

Era mesmo só isto que eu vos queria dizer. O filme não existe mas o Steve Holmes editou um trailer e foi o suficiente para me levar a escrever “Era mesmo só isto…”.

Se servir de razão para que vejam ou revejam The West Wing (e há muito boa gente que devia ver, de fio a pavio), já me dou por satisfeito.

Imediatidade não é uma palavra bonita. Aliás, imediatidade não é uma palavra comum, uma palavra que se costume ouvir. Talvez por não ser uma palavra bonita, talvez por não ser muito bem entendida. A ver então se nos entendemos: imediatidade é qualidade do que é imediato.

Usamos por vezes a palavra imediatez para referenciar a imediatidade mas mesmo esta palavra também não é bonita e isso talvez seja razão para, tal como a outra, não ser muito usada. Mas agora que está entendida (relembrando, a imediatidade é qualidade do que é imediato) posso passar à sua importância no que a algumas das actuais formas de comunicar concerne, que é verdadeiramente o que aqui me traz.

Sociedade da imediatidade?

Vivemos, diz-se, numa sociedade do imediato, uma sociedade definida pela rapidez com que se produzem, procuram e encontram conteúdos, sejam eles de que tipo forem. Tudo é rápido, para já (porque não pode ser para há pouco), se for para logo mais, não serve.

Como escreveu Douglas Coupland, já não há tolerância para qualquer tipo de espera. Queremos todos os factos e queremo-los agora.

É ao mesmo tempo, e num sentido quase dóxico, uma sociedade do efémero, onde as coisas aparecem e desaparecem num piscar de olhos, onde o escândalo do agora obliterou por completo a noticia do há pouco.

Por outro lado, e quase paradoxalmente, esta sociedade do imediato, de conteúdo efémero e muitas vezes decíduo, é também um bastião da perenidade, garantindo, como tantas vezes ouvimos, que “uma vez na Internet…” nada se esquece, nada se apagará.

Em suma, vivemos numa sociedade onde os próprios conceitos basilares do entendimento comunicacional (como o momento ou a duração) se confundem, distorcem, misturam e encontram valores definidos não de forma canónica, mas sim relativamente às perspectivas dos intervenientes no processo.

Tudo isto é bastante visível quando falamos por exemplo, das presenças nas diversas Redes Sociais online.

A imediatidade e a desintegração da Persistência da Memória por Salvador Dali
A desintegração da Persistência da Memória por Salvador Dali

O valor do tempo nas diversas Redes Sociais online

Não é raro encontrar publicações no Facebook, Twitter ou LinkedIn com títulos como “Qual a melhor hora para publicar no Facebook” ou “Os melhores horários para publicar nas redes sociais” ou qualquer coisa deste tipo.

De imediato me apraz lembrar que a grande maioria destas publicações referem “estudos” ou análises feitas nos Estados Unidos da América. Se entendermos que as diferenças culturais serão suficientes para que haja comportamentos diferentes, este facto deve servir de alerta para não levarmos à letra determinadas “sugestões”.

São muitos os exemplos que poderia citar mas vejamos um simples e que certamente dará uma ideia clara do problema exposto acima: Muitos dos estudos que encontramos na web sobre horários de publicações nas várias redes sociais, indicam que o melhor horário para twittar é entre as 12 e as 15 horas. Quando olhamos para dados específicos sobre Portugal, muito mais difíceis de encontrar, verificamos que a grande utilização do Twitter em Portugal é feita quando em casa e no período nocturno sendo que o período de maior engajamento é entre as 21 horas e a meia-noite.

Assim, é bastante claro que a definição de tempo ideal, para o mesmo acto, varia no espaço (sendo este um apenas dos factores), e de forma muito, muito relevante.

Mas então, o que tem a publicação pelas 21 horas de algo que aconteceu às 13, a ver com a imediatidade?

Nesta nossa sociedade, a tal do imediato, ainda que assim pareça, o mais importante nem sempre é a imediatidade da publicação mas sim a imediatidade do conhecimento. Estar na posse da informação, de todos os dados, tão rápido quanto possível, permitirá fazer melhor gestão da quantidade, duração e momento da publicação.

Claramente, a imensa informação que desejamos, que temos, veio (e uma vez mais recorrendo a Coupland) osmótica ou inadvertidamente, danificar (eu seria mais soft e diria modificar ainda que de forma radical) um sentido de tempo colectivo que há muito servia a humanidade. É importante que nos dediquemos a repensar o tempo e o seu valor.

É só um desabafo.

Redes Sociais. O tema tem muito que se lhe diga. E sim, podia escrever este post de uma forma muito mais técnica, formal, eloquente, de qualquer outra forma mas, o interesse é mesmo só um: dizer uma vez mais que isto das redes sociais tem muito que se lhe diga… E não há melhor forma de o fazer do que dizer assim, simples, claro, directo.

É raro o dia que não ouça, pelo menos uma vez, a expressão “nas redes sociais”. Dito assim, como se as redes sociais fossem uma coisa, uma única coisa, mesmo por quem admitindo que será uma coisa diferente, uma coisa com particularidades, uma coisa com expressões únicas, não deixa de ser, uma coisa.

Não são. As redes sociais não são uma coisa. São muitas coisas, distintas, bem distintas, com regras, públicos e objectivos diferentes. Mesmo quando se cruzam essas regras, públicos e objectivos, não deixam de ser coisas distintas.

Mesmo que em comum as redes sociais tenham um determinado factor, o digital, até esse pode apresentar diferenças tão abismais que deverá ser impensável assumi-las como uma coisa. Sei que muitos não se lembram (muitos não fazem ideia tão pouco) mas, em tempos, os tweets faziam-se via SMS. Não se “ia à Internet” para enviar um tweet, mas nem por isso deixava de ser uma das redes sociais e muito diferente de outras que já na altura usavam interfaces web para publicação

Sim, as redes sociais são muitas e muito diferentes uma das outras, e cada vez que alguém diz “nas redes sociais” dando a entender que é tudo a mesma coisa, como diria o Marco Almeida, há um lince ibérico que é electrocutado pelos tomates. Por amor da santa, pensem nos linces ibéricos que já são poucos e sofrem o quanto baste nas mãos de gente tonta (a quem eu tenho todo o gosto em explicar que as redes sociais não são “uma coisa” ou aconselhar formação).

redes sociais diferentes culturas diferentes

“Ah e tal, mas tu fizeste o mesmo post no Facebook e no Instagram…” Sim, pois fiz. Sei que fiz e por vezes, por razões especificas, esse pode até ser o melhor caminho a seguir. Mas só por vezes e não por norma. Sabem porquê? Porque são redes sociais diferentes.

Redes Sociais: línguas diferentes, culturas diferentes…

Pensem desta forma: qualquer uma das principais redes sociais tem muitos mais utilizadores do que Portugal tem habitantes. Portugal, Espanha, França… Enfim, se o Facebook fosse um pais tinha mais gente que a China e o Twitter tanta gente quanto os Estados Unidos da América. Agora, passa-vos pela cabeça que estes países falem todos a mesma língua? Que tenham todos a mesma cultura? Pensem nos verdadeiros países que dei como exemplo e lembrem-se que mesmo nesses é por vezes quase impossível que toda a gente se entenda… E eles já andam a tentar há centenas de anos.

Esta diferença de cada uma das redes revela-se por vezes nos mais banais detalhes, como seja a dinâmica da rede, o objecto em torno da qual se constitui (é texto, vídeo, fotografia? É tudo de uma só vez?) ou a forma como mais é usada (é no telemóvel, no PC?) mas também na presença e atitude de cada utilizador e a forma como a mesma é vista e entendida pelos outros (e pela própria rede mas isso é outra discussão).

Pensem por exemplo num determinado utilizador muito activo, querido e influente numa rede social. Este utilizador pode facilmente ser o ódio de estimação de outra rede social. Normalmente não será “só porque sim” mas por vezes essa parece ser a explicação mais lógica do facto. Depois, com algum trabalho, estudo, investigação ou sorte, lá se descobre que fulano de tal, há uns anos, falou mal da rede X ou da rede Y e sabem como é, uma vez na Internet…

Entendem? Isto das redes sociais não é uma coisa, não pode ser uma coisa. São muitas e é por demais complicado estabelecer à priori formas generalistas de lidar com elas, seja como criadores de conteúdos ou mesmo como meros consumidores. As redes têm distintas formas de ser observadas, diferentes formas de serem abordadas, diferentes formas de deixarem que sejamos parte delas. E acreditem, tudo deverá começar por ai, perceber como ser parte da rede, das redes.

Lembro-me de aprender na escola primária os verbos Ser e Estar. E sempre referidos lado a lado, Ser e Estar. Ser, que semanticamente apresenta um registo mais permanente, contrariamente ao Estar com um registo mais transitório…

Regina Spektor não é um nome novo para os leitores do browserd.com. Foi há mais de 10 anos que aqui escrevi sobre Soviet Kitsch, na tarde em que ouvi Regina Spektor pela primeira vez.

Desde então a jovem Regina Spektor (na altura tinha 25 anos mas pelos padrões actuais, aos 36 posso continuar a chamar-lhe jovem certo?) já marcou presença mais umas quantas vezes por aqui, quer em fugazes referências (como quando um ano mais tarde relacionava Ghost of a Corporate Future com a fantástica God’s Away On Business de Tom Waits), embasbacado com um concerto (como o intimista e muito bem disposto concerto que deu em Cascais em 2010) ou após ouvir um novo disco (quando comprei What We Saw From The Cheap Seats, em 2012).

É precisamente com um novo disco, Remember Us To Life, que volto a escrever sobre esta que é uma das minhas artistas favoritas.

Regina Spektor Remember Us To Life Vinyl Deluxe Edition

O registo de Regina Spektor nunca foi vulgar, longe disso. Da voz de efeitos desconcertantes aos arranjos musicais, passando obviamente pelas letras das suas canções, tudo em Regina Spektor é, como escrevi em 2005, estranho, mas um estranho bom, um estranho que nos faz querer mais, um estranho que nos faz querer conhece-lo mas que a cada novo álbum faz questão de manter a tal estranheza, garantindo que há ali uma história a ser contada, uma história para ser ouvida.

Depois de um amargar de tom em What We Saw… (mesmo que mais acessível), com que Regina Spektor mostrou uma maturidade crescente, eis que nos brinda agora com uma obra ainda mais negra mas que nem por isso deixa de ter a elegância a que já nos habituou nem o cheiro a flores que sempre marcou os seus discos.

Em Remember Us To Life Regina Spektor parece querer levar-nos a uma viagem pelos sombreados das emoções, lembrando-nos do quão boas podem ser e simultaneamente, quão devastadoras. Ainda mal começou e já nos deixa de rastos:

Someday you’ll grow up and then you’ll forget
All of the pain you endured
Until you walk by, a sad pair of eyes
And up will come back all the hurt
And you’ll see their pain as they look away

Nada a fazer. Never never mind your bleeding heart. E a coisa continua. Porque a vida é isso, business as usual. E Regina não faz por menos. Sem percebermos bem se é uma ameaça ou uma promessa (dúvidas que nos assolam), diz-nos que envelhecemos mas que nem por isso a vida se torna mais leve. Tudo o que precisamos saber é que estaremos sós até deixarmos de estar, estaremos por cá, até partirmos. Aproveitar enquanto podemos. Parece uma ameaça não é?

Estranhamente invadem-nos as cores pastel, quando Wes Andreson encontra os Eagles e o Hotel California se funde com o Grand Budapest Hotel, no sitio onde há um túnel directo para o Inferno.

Room service, mini-bar
Scented soaps, chauffeured cars
Stay a day, stay a week
Here’s the tunnel, take a peek
Just call up your friends at the front desk
Any hour at the front desk
Call up your friends at the Grand Hotel
You’ll always have friends at the Grand Hotel

Há bonés e correntes douradas também, quando Eminem e 50Cent parecem surgir do nada, na visualmente arrepiante Small Bill$. Os avisos continuam, é perigoso dormir profundamente (o sono é a antecâmara da morte?). E há fotografias a preto e branco, em Black and White, de tal doçura tocada que facilmente nos faz passar pelas lágrimas que anuncia. Devastadoras as emoções lembram-se?

E até quando os nomes nos parecem mostrar uma luz ao fundo do túnel, desenganem-se os incautos, a luz nem sempre é o que parece e em The Light isso não podia estar mais presente. Que melhor forma de o mostrar do que cantando I know that wrong and right can sometimes look the same, So many things I know, but they don’t help me. Mesmo quando nos diz saber que não há nada de errado.

Sim, tudo em Regina Spektor é estranho. Ela mesmo o diz em The Trapper and The Furrier. Que estranho mundo aquele em que vivemos, em que caçadores e negociantes de peles entram no paraíso. E donos, e gerentes e advogados e farmacêuticos… E de repente, estamos novamente nas paisagens quase distópicas a que tão facilmente ela nos leva.

A negritude continua, a escuridão, a vida. O que somos senão entidades incompletas? Radicalmente diz ser Obsolete. Não concordo. Há uma distância abismal entre a incompletude e a obsolescência. Acho que ela sabe disso mas sabe também que é através de palavras mais fortes que de quando em vez nos fazemos ouvir. A introdução marcou o tom:

This is how I feel right now
Obsolete manuscript
No one reads and no one needs
Pages lost, incomplete
No one knows what it means

E eis que Regina Spektor avisa: Winter is comming

As memórias são parte essencial da nossa vida. As boas e as más. E como se no palco de um musical da Broadway nos encontrássemos, sabemos que o Verão passa, que o Outono também, sempre a correr, para que chegue o Inverno. O das nossas vidas? Lá chegaremos. A idade é a máquina que lá nos leva mas é nesse Inverno que tendemos a esquecer… E no final de tudo, quando não há quem viva o suficiente para contar, quem será o vencedor pergunta ela? Talvez só o Inverno. Todos os Invernos direi eu.

O disco termina com The Visit e uma vez mais, Regina Spektor parece querer enganar-nos, apanhar-nos desprevenidos e desiludir-nos. No bom sentido. Desfazer a nossa ilusão. I’m so glad that you stopped in sussurra ela ao nosso ouvido às primeiras notas do piano. Embala-nos suavemente, levando-nos a colocar o pé, ouvir o click, sentir a armadilha a apertar quando nos diz:

Time’s best friend is fear
That’s how it can find us
And do its greatest kindness
Always to remind us
That it’s our only time inside
This body and this mind

Este é um daqueles discos que sai para o mercado com uma versão Deluxe, neste caso, mais 3 faixas: New Year, The One Who Stayed and the One Who LeftEnd of Thought  e basta olhar para estes títulos e a história completa-se.

Do alarme a tocar aos 5 minutos para a meia-noite, com a garrafa que vazia fica no corredor enquanto esperamos por um melhor ano que está por chegar, a ser mais uma cara, só mais uma cara na multidão, existente num gigantesco, imensurável Universo, onde cada decisão deve ser bem pensada, tudo tem um sentido.

No final, talvez pareça faltar alguma da leveza, da frescura, mesmo mais ácida, de outros discos. Mas na realidade não falta. Este disco é um reconhecer, é um aceitar da tal negritude, da sombra como parte integrante da vida. Saber que ela existe, saber que ela lá está, lá esteve, sempre, faz com que a possamos gozar melhor, contornando, aproveitando, vivendo.

E eu tenho agora mais uma razão para ter a Regina Spektor como uma das minhas artistas favoritas. Já vos tinha referido isso?