Preservation Hall Jazz Band That's itNinguém acorda de manhã decidido a gostar de Jazz. Bem, penso que não. Eu, por exemplo, não me lembro de como comecei a gostar mas lembro-me bem do que me trouxe de volta a ele depois de ter ficado lá atrás, no fundo da prateleira, durante muitos anos… E acredito que é sempre assim, que há algo que nos leva ao Jazz, que há um momento, um filme, uma série, um livro ou uma fotografia, qualquer coisa, há sempre algo que nos leva ao Jazz.

O Jazz e o desejo de recordar ou o recordar de um desejo

O Jazz, por sua vez, traz sempre consigo algo para nos dar. De uma estranha forma parece recordar-nos de algo, mesmo que um algo não passado, um algo não vivido… Pode ser um algo desejado. Bem, pelo menos comigo é assim.

Talvez não seja só comigo. Talvez haja mais quem pense desta forma. Talvez por isso haja tanto interesse em preservar os clássicos do Jazz, as suas raízes, as suas origens. Não esquecer o que nos faz recordar parece ser um bom principio

Preservation Hall Jazz Band, a missão

A Preservation Hall Jazz Band faz precisamente isso. Recorda desde 1961 os grandes clássicos do Jazz, da terra do Jazz, em New Orleans. 50 anos a gravar e quase nunca gravando originais mas, sem quebrar a tradição de nos dar grande música, a Preservation Hall Jazz Band grava That’s It, o seu primeiro álbum de originais e, como seria de esperar, é um grande álbum.

A abrir, a música que dá titulo ao álbum, That’s it, um portento de poder e ritmo que não deixa ninguém indiferente. Experimentem ouvir That’s it em qualquer altura do dia e entre sopros e batidas (Ben Jaffe – filho dos fundadores Allan e Sandra Jaffe, Mark Braud, Ronnel Johnson e Joe Lastie e ditarem a qualidade do que está para vir), ganhem novo alento.

O Jazz de New Orleans

Dai para a frente é um sentir a cidade de New Orleans no seu melhor, do mais festivo ao solene, do sagrado ao mais pagão… Esperem pelos espíritos dos mortos que vos virão acompanhar rua abaixo no dia de Saint Joseph quando ouvirem Freddie Lonzo em Rattlin’Bones. Sonhem com um passeio de mão dada num Verão de noites doces ou com uma qualquer cadeira de baloiço na portada de casa com um copo na mão enquanto ouvirem o saxofone em August Nights. Com Dear Lord (Give Me the Strength), entrem lado a lado com Ronell Johnson pela igreja dentro, num momento de gospel.

Numa aparente contradição, gravando 11 originais, a banda que se dedica a preservar o espirito dos grandes clássicos de New Orleans, acaba por ser ela mesma a contribuir para essa lista de musicas (e músicos) a recordar. That’s It será certamente um disco a ficar para a história.

E vocês? Gostam deste tipo de Jazz? Entre Bourbon Street e West Coast, por onde passeiam as vossas sonoridades favoritas?

Vai estrear no próximo Domingo a nova série da RTP, Os Filhos do Rock. Não me lembro da última vez que esperei ansiosamente pela estreia de uma série da RTP. Aliás, não me lembro de alguma vez ter esperado ansiosamente por uma estreia da RTP. Desta vez espero. Desta vez, sempre que passam os teasers na televisão, paro, fico a ver, vejo até ao fim. Já quase os sei de trás para a frente. Nunca mais chega dia 8…

Percebo que nem todos percebam a ansiedade. Para muitos que viveram o tempo, não foi vivido como por mim. Para muitos foi melhor, para muitos uma desgraça. Eu, vivi o tempo como o devia viver uma criança, um jovem da altura.

Os anos 70, os 80’s e os 90’s

Eu nasci nos setentas, cresci nos oitentas, fiz-me homem nos noventas… Sim, de alguma forma, também fui um filho do rock.

Ouvi rádios piratas, gravei cassetes com o dedo no stop para cortar os anúncios, fui a concertos de garagem (onde também gravei cassetes com um gravador escondido dentro do blusão), assisti a ensaios em salas de estar, a altas horas da madrugada, vi pais e mães a discutir por causa disso, fui corrido para a rua, mais que uma vez, por causa disso…

Vesti roupas estranhas, usei penteados que não passavam pela cabeça de ninguém… Fui de arrasto e pelas orelhas, levado ao barbeiro onde me raparam o cabelo à maquina, foram buscar-me à casa de jogos onde quase me fizeram engolir a brasa do cigarro proibido… Parti tacos de bilhar e escondi-me em prédios vazios a meio da noite, na esperança de que as sirenes passassem sem parar… Não que tivesse feito algo de mal, mas era um filho do rock… Éramos todos.

Escrevemos os nomes das bandas nas mochilas, usámos alfinetes de dama nos blusões, calças rasgadas e botas Doc Martens… E o rock foi crescendo connosco…

Todos mudamos. Até o rock mudou…

Fomos mudando de roupa, de calçado, de penteado, mudámos de casa, de cidade e até de pais. Mudámos muita coisa mas uma coisa se manteve. Cada vez que ouvimos uma daquelas musicas da altura, recordamos o que vivemos e não deixamos de a cantarolar, por muito que possa parecer estranho a quem não foi, a quem não é, filho do rock.

Espero ansiosamente pela estreia desta nova série. Agora, RTP, não me lixes ok?

Dedicado com muito amor e carinho (porque sou um tipo amoroso e carinhoso) a todos os meus ex-colegas do Millennium bcp que se chateavam comigo cada vez que os “obrigava” a ouvir musica pop japonesa ou incontáveis horas de clássicos do jazz de New Orleans. Entendo hoje como tais coisas poderiam ser maçadoras e até incomodativas, atrapalhando a concentração e logo a produtividade de quem tanto queria paz e sossego para poder trabalhar.

Deixo-vos assim com uma obra que certamente vos encantará e mais ainda, vos lembrará de todos os bons momentos em que eu acedia aos vossos pedidos e parava a musica…

Ouçam, com atenção. E alto de preferência. Bem alto.

Talvez (não sou dogmático) um dos melhores road trip álbuns de sempre. Porquê? Sei lá. Porque sim, que é neste caso uma resposta tão boa quanto outra qualquer.

Fica Otherside mas podia ficar qualquer outra faixa de Californication. São todas boas. Um album de goodbye and farewell perfeito para acompanhar qualquer caminhada.

A cada nova review que aparece a The Next Day, já esperamos uma expressão que quase se torna ponto certo, coerência: O melhor regresso de sempre. E acredito que os críticos não se andem a copiar uns aos outros. Fala-se de Bowie e aqui não se copia, reinventa-se.

David Bowie The Next Day

Sendo igualmente termo comum quando se fala ou escreve sobre O Camaleão, a reinvenção é um processo criativo muito diferente do renascimento. Quem renasce recomeça. Mesmo que num caminho diferente. Na minha opinião, neste disco, Bowie não recomeça. Continua.

Tendo em consideração a diferença deste para os discos anteriores, é de notar porém que as novidades que nos traz Bowie mostram essencialmente a maturidade que mais uma decada lhe trouxe. No entanto, essas novidades são mais notadas pela longa ausência desde Reality do que por uma eventual inexistência de referências intertextuais a toda a sua obra.

O novo século está bem presente é certo, mas não há como negar a presença de um Bowie antigo, um Bowie que presta de alguma forma homenagem a uma vida longa, que desde a decada de 60 não se negou a nos encantar com uma nitida vontade de se encantar a si mesma.

É dessa decada de 60, que se podem retirar as sonoridades quase jazzisticas de uma pop a nascer que inspiram I’d Rather Be High por exemplo. E a própria história que esta nos conta, que podendo colocar o soldado em qualquer guerra moderna, não deixa de o colocar também naquela época em que “preferia estar morto, que fora de mim” era sentimento apanágio de tantos.

Já de outros anos, loucos de diferente forma, se sentem sons e se escutam letras (ou será ao contrário) em músicas como Dirty Boys. Da guitarra violentissima à busca louca por uma emoção diferente, algo que leve a excitação a píncaros, tanto nos pode ligar, o pode ligar, ao Duke, o branco e magro Duke, à cocaina desmedida que deixaria facilmente a acreditar que “quando a sorte está lançada e não temos escolha, iremos correr com rapazes sujos”…

Do branco ao negro, da luz (mesmo que muito artificial) à escuridão, tal como anos depois Bowie se entregara a um romantismo digno de Poe, também neste disco ele nos deixa laivos de tais tempos em que bordados e debruados substituíam as vestes de cabaret. Ouça-se Love is Lost enquanto nos despedimos de uma vida sem dor.

Li um destes dias, sobre a anunciada e efectiva morte de Ziggy Stardust com The Next Day. Disse-me depois uma amiga que Ziggy já há muito que morrera. Desta vez, desculpa, acho que te enganas. Aliás, desculpem todos vós mas Ziggy vive. Também ele reinventado. Vive dessa forma mas quase pleno em You Feel So Lonely You Could Die depois de ser ter suicidado com o seu Rock n’ Roll há muitos, muitos anos…

Escrevo-vos já sobre o que reconheci mais facilmente… Sobre o que me é estranho, preciso ainda que se entranhe, que me deixe ouvir, sentir. De imediato fico com noção de que, uma vez mais, David Bowie cria uma imagética lirica sublime, muito além da interpretação Kantiana, exacerbando até a definição de Dostoevsky. Bowie cria uma imagética bela, triste, tenebrosa por vezes, tocando todos os campos que fazem do homem um bicho tão complexo.

É um reinventar-se. É nitidamente um saber como ninguém o que em si há de melhor, e mostrar ao mundo uma vez mais, que sem se mostrar tal como é (já há muito se perdeu tal noção se é que alguma vez Bowie a terá dado a conhecer) se consegue mostrar tal como o queremos. E nós queremos aquilo que ele quiser.