Pedro Rebelo e o Luis Miguel Rocha

Diacho Luis, parece que foi ontem… Parece que foi ontem, que depois de anos a falarmos sem nunca nos termos encontrado, finalmente demos o tal abraço, num fim de tarde entre um copo e conversas mais ou menos filosóficas… Parece que foi ontem…

Tantas vezes conversámos, comentámos… Temas e gostos em comum, histórias dos que cá ficam… E sempre com um sorriso.

Parece que foi ontem Luis, que me perguntaste como estava das minhas dores nas costas e me disseste “Chocolate negro é um repositor imediato de magnésio”…

Também tu partiste cedo demais.

Um abraço Luis Miguel Rocha. Aproveita e descansa um pouco.

A vida é fotografia, a fotografia é a vida

Nota: Este artigo é a continuação de Nobuyoshi Araki: A morte bem pensada (I). Aconselho a leitura para melhor entendimento.

Na Lua de Mel

Araki tornou a sua lua-de-mel material em bruto para uma série de fotografias que lhe serviriam como manifesto daquilo a que chamaria de “Fotografia Pessoal”. «Podes fotografar-te a ti e às coisas que significam algo para ti pois é ai que reside o essencial e onde a intensidade dramática está no seu auge » disse Araki na série da BBC na série documental Genius of Photography. O acaso parece não fazer parte da sua obra.
Com a aceitação de Sentimental Journey, a vida torna-se então o tema da sua fotografia e a sua fotografia torna-se literalmente, a sua vida.

Numa tarde de Verão, no final da década de 80, Yoko diz a Araki que tem um grave problema de saúde e que os médicos lhe dão poucos meses de vida.

Foi num dia de Verão que a minha mulher me disse que tinha problemas no seu útero, que não tinha muito mais tempo de vida. Foi ai que começou a sua jornada a caminho do Inverno. Porque o Inverno é a morte. (declaração em Contacts Vol. 2, Portraits of Contemporary Photographers)

Araki acompanha-a até ao fim dos seus dias, mas sempre de câmara na mão, fotografando aquilo a que mais tarde chamaria de Winter Journey. Mais uma vez, barreiras que se quebram. A morte do ente amado, vista por quem mais próximo, mostrada por quem mais próximo.

O momento decisivo, aquele que não pode ser vivido por outro que não o artista, o ultimo suspiro da sua mulher, tem que ser fotografado por si mesmo que não o possa fazer. Mas a câmara é só extensão de si mesmo e ainda que o dedo no obturador não seja o seu (na foto abaixo, Araki pediu ao irmão que tirasse a fotografia daquele exacto ângulo), é conceptualmente uma fotografia sua e isso é que interessa.

Araki at Yoko's last minute

Às pessoas que o chamam de insensível, Araki responde que talvez se deva ao facto de ser Gémeos. «Eu não estou sozinho» diz ele. «Existe um outro eu». Esta desculpabilização é patente também na forma como fotografa com várias câmaras ao mesmo tempo, sugerindo vários narradores diferentes, as várias faces de Araki.

Araki remata ainda a radicalidade do seu plano, com a fotografia que capta do caixão de Yoko. Junto a ela no caixão, está bem visível, um exemplar de My Loving Chiro, o livro de fotografias que Araki tinha acabado de editar sobre o gato da família. Se parecer forçada a associação, porque não lembrar as flores que Araki leva a Yoko ainda por abrir e que, quase milagrosamente, abrem logo após a sua morte? São fotografadas no antes e no depois. E vão por isso também com Yoko para a derradeira morada. Merecendo nova fotografia.

Yoko no caixão

Mas que ganhou Araki com tudo isto? Araki fotografa hoje onde e como poucos podem fotografar. Na entrevista que deu a C.B. Liddell (ver em Intimate photography: Tokyo, nostalgia and sex) este diz-lhe que a primeira impressão que teve dele foi a de que ele parecia alguém que trabalhava num circo mas que achava isso muito importante para tirar fotografias: «Pode ser muito intrusivo e até rude com a câmara, mas as pessoas vão desculpa-lo porque a sua aparência as faz sorrir».

E nós? Como vemos a fotografia de Araki?

O homem comum a encantou-se pela fotografia de Araki, porque ele a mostra como uma parte pessoal, quase intima de uma vida que une o comum do dia a dia ao sublime (no sentido que lhe dá Dostoevsky, entendendo o sublime como algo belo e ao mesmo tempo, aterrador) muitas vezes inalcançável.

Esta atitude permite que a sua noção de fotografia não se confine, ou melhor, nem sequer se enquadre no domínio da alta cultura. Araki pode fazer fotografia como arte popular e mesmo assim ser reconhecida.

Estas fotografias ajudam-me a recordar. Sem fotografia, não recordamos muito. Já cheguei ao ponto em que não fotografo o que não quero lembrar. Só fotografo o que quero mesmo recordar…

O quebrar das regras permite-lhe hoje isto: fazer o que quer e ter o que quer: reconhecimento.

Lia-se no Folheto introdutório da exposição Private Tokyo no Museum fur Modern Kunst Frankfurt am Main:

Quanto mais espectadores tem, quanto mais em forma se põe… Araki é uma figura de culto em Tóquio, com a popularidade de uma pop-star.

Mas estará a morte por trás de tudo isto? A ver vamos no próximo post.

Morreu Michel Crichton. Foi no passado dia 4 de Novembro. Mesmo parecendo egoísta confesso que a primeira coisa que disse quando ouvi a noticia foi: “Não pode ser. E eu que estava à espera do seu próximo livro”. Sim. Pode parecer egoísta ou insensível mas demonstra certamente o quanto eu apreciava os seus escritos.

O meu primeiro contacto com a obra de Michael Crichton foi através de Congo há muitos, muitos anos atrás. Depois fui vendo o que todos víamos, na televisão o ER (Serviço de Urgência) e no cinema o Jurassic Park ou Disclosure. Mostrava-se assim ao grande mundo, aquilo em que Crichton era um verdadeiro mestre: no chamado techno-thriller. Logo por sinal, o meu género favorito.

Na minha viagem a Nova Iorque, há 2 anos atrás, redescobri Crichton na Barnes&Nobles através de State of Fear que me deixou tão entusiasmado que ainda mal o tinha acabado de ler e já tinha comprado Next. Não poderia imaginar que seria o seu último livro. Teria guardado umas páginas para ler mais tarde…