Leite com chocolate. Das coisas surrealisticamente boas… Leite com chocolate. Mas não, não é qualquer leite com chocolate.

É sabido que determinados cheiros e sabores nos fazem recordar o passado, as memórias de outros tempos, tantas vezes a infância. E quando as recordações são boas recordações, que mais querer?

A mim, o leite com chocolate, quente, sempre me fez recordar a infância. Independentemente do quão feliz possa ter sido, é por mim recordada cada vez que sinto o seu cheiro doce, as mãos que aquecem ao agarrar a caneca…

Leite com chocolate

Leite com chocolate. Eu gosto, mas sou suspeito.

É certo que eu sou suspeito. Gosto de leite, gosto de chocolate. É meio caminho andado para gostar de leite com chocolate. Mas pensem desta forma, quantas pessoas começaram a beber leite devido ao chocolate? Lembro-me bem da quantidade de amigos na escola que diziam não gostar de leite. Aliás, conheço umas quantas pessoas que ainda hoje, continuam sem gostar de leite. E outras, como a Susana, que gostam de leite frio, mas quente, só se for com chocolate.

Se o leite simples é melhor? Sim, certamente. Não tenho dúvidas disso (ainda que haja quem tenha). Mas se o chocolate for razão para que quem não bebe leite, passe a beber, então venha de lá ele.

Mas atenção que não é qualquer chocolate. Durante a minha infância foram vários os que me ficaram de memória, clássicos dos anúncios de televisão, embalagens coloridas que não deixavam ninguém indiferente nas prateleiras do supermercado.

Mas os anos passaram e hoje já não são as cores garridas e formas distintas que me motivam quando procuro um momento de conforto. A sobriedade, a clareza com que me é passada a mensagem… É aqui, dentro desta lata que eu vou encontrar o bilhete para a tal viagem, para o tal lugar no tempo onde me lembro à janela a ver a chuva que cai lá fora e penso que a vida me dá tudo o que posso querer… Outros tempos.

Eu gosto. E vocês?

Não é que ande a carregar caixotes ou a cavar a horta como se não houvesse amanhã. Nada disso. Mas ainda assim, sinto que já me dava jeito um ou dois dias de sofá, de mesa farta, cheia daquelas coisas boas que não fazendo bem, são deliciosas, de musica a tocar de manhã até à noite e sem grandes preocupações… Sinto que já me dava jeito o Natal.

Peanuts. O Natal no aniversário

E este ano, um bocadinho do Natal chegou mais cedo, com uma das prendas de aniversário que a Susana e a Patrícia me ofereceram, um dos volumes de Peanuts, a obra completa.

Peanuts e o Natal? Claro. Há razões para isso.

Os Peanuts, Charlie Brown, Lucy, Sally, Linus, Schroeder, Peppermint Patty e obviamente, o Snoopy, sempre me fizeram lembrar o Natal. Talvez porque tenha visto, quando miúdo, o episódio especial de Peanuts intitulado A Charlie Brown Christmas, numa daquelas férias de Natal em que não havia muito mais que fazer (quando o Inverno era a sério) que ficar em casa e ver televisão. Talvez porque A Charlie Brown Christmas de Vince Guaraldi seja um dos meus álbuns de jazz favoritos (por sua vez, talvez porque me lembre de ouvir este álbum como a banda sonora do referido episódio dos Peanuts).

Seja porque razão for, os Peanuts lembram-me Natal e Natal lembra-me esse desejo de uns momentos de sossego (sim, depois de toda a azáfama da noite de Natal, do jantar em família, das prendas…), em que paro, ponho um disco a tocar, abro um livro e, com um copo de vinho na mão, agradeço pelo que tenho.

O Natal ainda está longe (quando a vontade é muita, o tempo parece custar mais a passar) mas com esta prenda que elas me deram, dia a dia, ele vai ficando mais perto, mais depressa, como se já estivesse a saborear uns minutos daqueles dias especiais a cada página que viro.

Obrigado miúdas. Já vos disse que adorei a prenda?

A publicidade nos blogs parece ter saído do radar em Portugal mas, ainda que a discussão tenha arrefecido, é necessário que não se deixe cair o tema no esquecimento.

Com o aumento do interesse no marketing de conteúdo, o tão falado content marketing, os blogs ganharam um novo fôlego no panorama da comunicação digital e, quer da parte dos bloggers (obviamente interessados em rentabilizar o seu espaço), quer por parte das marcas e agências de comunicação, a questão da publicidade nos blogs voltou a estar em cima da mesa.

Publicidade nos blogs Pedro Rebelo: Porque as imagens carregam segredos

Há muito que este é um tema sensível mas, inicialmente, a questão da publicidade nos blogs era sensível essencialmente entre bloggers, que se preocupavam com a credibilidade da sua plataforma de eleição, quando cada vez mais se publicavam em blogs, conteúdos que mais não eram que press releases e claros anúncios comerciais.

A proliferação desta prática levava a que muitos utilizadores da internet tivessem a ideia de que a publicidade nos blogs era o que definia a plataforma. Era um erro mas, citando Goebels (quem diria que um dia iria citar Goebels no browserd.com), “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade” e aparentemente era o que estava a acontecer.

A publicidade nos blogs e a lei

Em Maio deste ano, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ERC, colocou em consulta pública o novo Código da Publicidade, onde a determinada altura se podia ler:

A promoção de bens ou serviços sob a aparência de opinião pessoal de quem a veicula, mediante contrapartida financeira ou material, deve ser inequivocamente identificada como publicidade, independentemente do meio utilizado para a mesma.

Aqui d’el Rei. Levantaram-se as vozes. Foram escritos mil artigos, revistas, jornais, até blogs (principalmente blogs) escreveram que os bloggers tinham que assinalar como publicidade nos blogs tudo o que fosse artigo pago. E note-se que, como artigo pago entendiam-se também os artigos em que ao blogger era oferecido um qualquer produto ou serviço de uma marca e ele escrevia sobre o assunto.

Pois é, aparentemente, os arautos da desgraça, e outros, esqueciam-se que o facto de a um blogger ser oferecido um produto ou serviço, não quer dizer que ele tenha que escrever bem do mesmo no seu blog. E quando alguém escreve, digamos, menos bem, sobre um produto, vamos chamar a isso de publicidade nos blogs?

Há bloggers que aceitam “encomendas” e, independentemente de acreditarem ou gostarem do que lhes é proposto, apresentam o melhor que conseguem sobre o assunto. Mas ao que consta também há jornalistas que o fazem, há políticos que o fazem, empresários que o fazem… Se faz disso bons ou maus representantes da sua classe, deixo à vossa consideração. Não é sobre esses que escrevo.

A questão da publicidade nos blogs e os blogs como órgãos de comunicação social

Este tema da publicidade nos blogs e o papel da ERC no assunto já na altura não era novo. Infelizmente, há muita boa gente que, por ter chegado mais recentemente a esta coisa a que se chama blogosfera ou por mero desinteresse no tema noutros tempos, não conhece ou não recorda coisas como as referidas pelo Luis Santos em 2005, no seu blog Atrium, quando após questionar o gabinete do então Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, sobre a eventual abrangência das competências da ERC relativamente aos blogs, recebeu da chefe do gabinete do Ministro, uma extensa resposta onde em determinada altura se podia ler:

… visando salvaguardar o direito à liberdade de expressão consagrado no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, a proposta de Lei apresentada pelo Governo pretendeu excluir, de forma notória, as comunicações electrónicas de conteúdo privado e de conteúdo não comercial (como, em regra, serão os ‘blogs’). Assim, foram incluídas as expressões ‘submetidos a tratamento editorial’ (cfr. Lei da Imprensa) e ‘organizados como um todo coerente’. Daqui decorre que, enquanto não assumirem uma linha editorial definida, através da sujeição das opiniões nele vertidas a um tratamento uniformizador, de cunho editorial, os ‘blogs’ não serão enquadráveis na alínea e) do artigo 6º dos Estatutos.

Note-se que o artigo 6º dos Estatutos da ERC estabelecia a competência desta sobre ‘todas as entidades que, sob jurisdição do Estado português, prossigam actividades de comunicação social’ e a alínea e) estipulava: “As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente.”

Ou seja, dizia a chefe do gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares que os blogs não estavam sob jurisdição da ERC. Bem claro.

Quase 10 anos mais tarde, o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social elaborou em Outubro do ano passado o estudo  Novos Media – Sobre a redefinição da noção de órgão de comunicação social, e publicou-o no site da ERC para submissão a consulta pública.

Ora, se há uma preocupação com a publicidade nos blogs e se se levanta a questão dos blogs puderem ser considerados órgãos de comunicação social, este documento deverá ser lido com particular atenção tendo em conta que a publicidade nos órgãos de comunicação social tem regras muito especificas.

Neste documento da ERC, lê-se em determinada altura:

Advinha-se a dificuldade em decidir, por exemplo, se um blog que apresente (…) elementos que o permitam qualificar como um órgão de comunicação social, deve ser submetido a registo junto da ERC.

A frase acima remete para uma nota de rodapé onde se lê:

A generalidade dos blogs que encontramos hoje na internet têm como principal objetivo o entretenimento e a partilha de gostos/interesses dos utilizadores sobre as mais variadas temáticas. Não existe assim qualquer preocupação editorial, vontade de atuar como media ou intenção de agir de acordo com os padrões da profissão de jornalista, tais como foram definidos nos critérios de identificação de um órgão de comunicação social (…).

Eu concordo. Sou blogger. Não sou jornalista. E não é porque não pudesse ser. A minha formação académica é em Ciências da Comunicação. Em determinada altura, tal qual um Bartleby do séc. XXI, preferi não o fazer.

Talvez por os autores do estudo Novos Media – Sobre a redefinição da noção de órgão de comunicação social terem um entendimento semelhante, referem ainda no texto:

Não faz por isso sentido que lhes sejam exigido um conjunto de deveres tais como pluralismo, contraditório, rigor, respeito pelas regras ético-legais que conformam o exercício do jornalismo, entre outras, uma vez que não estamos perante um órgão de comunicação social.

Pronto, ao que parece, estamos mesmo entendidos. Não tem sentido exigir aos bloggers que se comportem e obedeçam às mesmas regras que obedecem os jornalistas pois falamos de entidades diferentes. E se assim é, porque deverá então a publicidade nos blogs obedecer às regras impostas aos órgãos de comunicação social?

Já Giuseppe Granieri escrevera no seu livro Blog Generation que, não se pondo em discussão que os blogs sejam uma forma ulterior de circulação de informações, blogging não é jornalismo. Aliás, Granieri escreve também nesse livro:

Às vezes os bloggers mais dotados tornam-se jornalistas. Muitas vezes, cada vez mais frequentemente, os jornalistas tornam-se bloggers. Mas não há confusões de papéis, visto que importantes elementos de contexto diferenciam as duas actividades (…) A mudança é pois medida através das relações, não através da simples produção de conteúdos e de uma taxonomia actualizada que os codifique (…) Os blogs e o jornalismo tradicional são complementares, são duas áreas diversas do ecossistema dos media, fortemente interligadas mas com regras e equilíbrios diferentes.

Mas eis que se levantam as tais vozes novamente: “Mas se os bloggers estão nos mesmos eventos que os jornalistas, e com acesso às mesmas informações…”. A haver culpa nisso, de quem será? Dos bloggers ou de quem lhes dá acesso? Em última análise, quem dá igual acesso a bloggers e jornalistas que responda por isso.

Publicidade nos blogs? Sim, porque os publicitários são pagos em croquetes e rissois.

“Ó senhor blogger, gostaria de o convidar para vir à minha conferência de imprensa… Cá iremos ter croquetes, rissois e, eventualmente, oferecemos aos convivas o pratinho do IKEA em que servimos os acepipes.” Desculpe lá, mas não posso ir sabe? Sou blogger e tenho regras que me dizem que, se depois escrever sobre isso, tenho que fazer um disclaimer a dizer que é um caso de publicidade nos blogs…”. Sinceramente? Não me parece. Além do mais, gosto de croquetes e gosto de rissois. Claro que vou. Escrevo num blog, não num jornal.

Talvez por perceberem que tal como eu, muitos bloggers também gostam de croquetes e rissois (ou por outras razões mais sérias sobre as quais não me apetece de momento fazer considerações mas que estou certo, vós leitores farão), o estudo da ERC refere ainda:

Remeter estes conteúdos para o território da regulação seria exorbitar o âmbito de competência da ERC, uma vez que a atividade exercida não é uma atividade de comunicação social. Não obstante, alguns blogues são utilizados com outras finalidades que não as referidas. Alguns blogues são hoje usados para a divulgação de informação, sendo os seus conteúdos submetidos a tratamento editorial. É em relação a esta segunda categoria de blogs que a questão se coloca com maior acuidade. (…) A proliferação de blogs e páginas pessoais, que vieram trazer novas fontes e novas formas de produção e distribuição de conteúdos informativos, desafiou as tradicionais fronteiras entre jornalistas e leitores (…) A Internet é uma fonte de enorme riqueza informativa e há cada vez mais cidadãos e organizações a produzirem conteúdos próprios. O jornalismo, e o jornalista, não têm como fugir a esta tendência.

Os blogs não são órgãos de comunicação social, pelo menos, não no sentido a que tradicionalmente nos referimos a órgãos de comunicação social. Os blogs são novos media, da ordem dos media sociais, da ordem a que chamamos de forma simplista, redes sociais. A haver regras, que sejam novas regras.

Publicidade nos blogs: Os blogs são conversas

“Um blog não é imprensa e um blogger não é um jornalista” escreveu o Rodrigo Moita de Deus em 2010. Por sua vez, e relativamente à situação que levou o Rodrigo a tal expressão, escreveu o Fernando Fonseca no 31 da Sarrafada:

Enquanto os órgãos de comunicação social são obrigados a produzir notícias para encher espaços que são pagos pela publicidade, os blogs não são obrigados a absolutamente nada.

De uma forma provocatória, poderia nesta altura alguém perguntar: Querem melhor explicação?

A publicidade nos blogs e a regulação light

Até se entende que possa haver quem esteja chateado com isto da publicidade nos blogs… Mas não podem atribuir responsabilidades aos bloggers, por de repente o mundo ter descoberto que há mais quem escreva, e bem, sobre os mais variados assuntos.

Querem leis e regras e tratados (surge em mim o José Régio, porta adentro, exclamando…)? O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social também pensou algo nesse sentido. Ainda no documento apresentado em finais do passado ano sugere-se:

No presente, a atuação regulatória num panorama composto por órgãos de comunicação social com configurações muito díspares e diversas funções mediáticas deve distinguir-se entre dois níveis: regulação light e regulação clássica ou tradicional. A regulação light está reservada para serviços não lineares em plataforma aberta, os demais media devem estar sujeitos à regulação clássica. (…) a regulação light será mais acessível, pedagógica, passando pela sensibilização destes novos media a subscreverem uma carta de princípios (um “estatuto editorial”) a observar pelos próprios de forma voluntária.

Foquem. Foquem e atentem: a observar pelos próprios de forma voluntária!

No mês passado, o então secretário de Estado da Economia, Leonardo Mathias, afirmou que o Governo desistira de aprovar o novo Código da Publicidade, por não haver tempo que garantisse a possibilidade de uma “profunda reflexão” e um “amplo consenso na sociedade” sobre o mesmo.

Estranhamente não vi os bloggers a escrever sobre isto (e jornalistas muito poucos). Estranhamente porque, mais do que a publicidade nos blogs, o tema dos blogs enquanto base de estratégias de conteúdo está na ordem do dia para muitos profissionais da comunicação digital, para muitas empresas e, consequentemente, deverá também estar para muitos bloggers.

Na minha opinião, é preciso não o deixar esquecer, é preciso que o debate sobre a publicidade nos blogs se promova para que a lei quando chegar, e sim, estou certo de que há-de chegar, chegue justa e num sentido: Não se legisla a Vox Populi.

A mim, parece-me estranho confesso, ter que dizer “gosto de saltos altos e depois?”. Eu gosto de saltos altos e não me parece, de todo, que tal gosto ou a assunção pública do mesmo seja de estranhar.

Gosto de saltos altos

Será algo de anormal um homem gostar de saltos altos? Bem, a meu ver será tão estranho quanto um homem gostar de lingerie e sabem que mais? Eu gosto de lingerie. Como não gostar? E gostar de lingerie será algo mais (pelo menos para mim é) do que dizer “Epá, aquela gaja fica mesmo boa de cinto de ligas e meias de rede”… Por amor das Deusas…

Gosto de saltos altos e de lingerie também…

Assim como gostar de lingerie se pode traduzir no saber apreciar o toque de um bustier La Perla, de um baby doll Lise Charmel ou qualquer peça Agent Provocateur (e acreditem, a Susana agradece que eu saiba apreciar estas coisas), também gostar de saltos altos se pode traduzir em saber que um salto 12 é um salto alto e um 15 já é esticar a corda ou que também há saltos 16 mas que dificilmente se encontram longe das casas de má fama

Sim, é verdade que o meu gosto por saltos altos vai um pouco além disso. Por gostar de saltos altos aprendi a distinguir uns Pump de uns Scarpin, prefiro Louboutin’s a Vuiton’s (ainda que alguns Vuiton’s sejam verdadeiras obras de arte) e até sei o que é a alma de um sapato.

É  também verdade que há muitas mulheres que não sabem fazer estas distinções mas sabem que mais? Assim como reconheço os detalhes acima, sei também o que é a gáspea, a testeira, o contraforte e o solado. Coisas que existem nos Oxfords, nos Brogues, nos Derby, nos Monks e nos Loafers… Sim, coisas que existem nos mais variados modelos de sapatos de homem, cujos nomes as maior parte dos homens não conhece.

“Queria uns sapatos daqueles, tipo luva…” ou “Não gosto daqueles sapatos com desenhos em furinhos…” são frases que se escutam com alguma regularidade em sapatarias ou conversas de amigos. Mas são sapatos de homem e são homens que dizem estas frases. Talvez não gostem de sapatos o suficiente para se interessarem por estas coisas

Gosto de saltos altos. É uma questão estética.

Dizer “eu gosto de saltos altos” é, acima de tudo, dizer que gosto de algo que me atrai esteticamente. Sendo a estética a experiência do sensível, perante uns saltos altos, o primeiro dos meus sentidos a ser atraído é a visão. Os saltos altos podem estar na montra e só por si, pelo vislumbre dos mesmos, causar a tal atração. Um par de sapatos de homem também o pode fazer mas, eventualmente, poderá requerer mais que o simples olhar. Uns Oxford Kingsman podem parecer ser quase iguais a uns Berluti mas só quando lhes tocarem, quando passarem a mão pela vira, podem notar grande diferença.

Então, dizer “eu gosto de saltos altos” é, como tantas outras coisas na vida, ter um gosto particular, um gosto que nos leva a conhecer mais sobre o tema, um gosto que nos leva a partilhar esse conhecimento, um gosto que nos deve fazer orgulhosamente dizer: eu gosto de saltos altos.

Depois, como em tantas outras coisas na vida, é esperar pelo dia em que o expressar de um gosto não tenha que vir seguido de um “e depois?”.

Ora bem, nada de outro mundo. Nenhuma dissertação sobre o significado da amizade ou sobre o que são bons amigos. Primeiro porque amigos, tal como amizade, é só por si, um termo muito, muito subjectivo. Depois porque bons amigos é, por razões claras, forma de subjectivar ainda mais o termo.

Assim sendo, e porque é mesmo de bons amigos que vos quero falar, conto-vos um pequeno episódio. Para que este tenha algum sentido, há que deixar claro que não gosto de futebol, não conduzo, sou casado, pai de uma filha e, como diz um dos meus bons amigos (aliás, dizem uns quantos), um homem sério.

Pedro Rebelo, bons amigos e bons almoços
Quando falo da comida? Lá mais embaixo. Continuem a ler…

Onde estão os bons amigos?

Do nada, uma destas manhãs, num daqueles espaços digitais tão comuns nos dias de hoje, onde amigos e conhecidos se encontram para conversar, pergunto (eu ou um dos presentes, já não estou certo mas para o caso é irrelevante) se temos almoço, que é como quem diz, “então, almoçamos hoje?”. A resposta não se fez esperar e como de costume, veio no sentido de um valoroso “só falta decidir onde”.

Sobre o local onde se daria o repasto também não houve grande conversa. Entre todos, sabemos bem o que cada um mais aprecia e os apetites, normalmente, são expressos logo pela manhã cedo.

O encontro está marcado para certa hora, numa recôndita viela, para onde cada um de nós se dirige, dos vários cantos da cidade. O sitio é concorrido, muito concorrido ao que parece. É famoso pelas doses e aparentemente a fama vai além das lusas paragens. São mais que muitos lá dentro e outros tantos que se vão juntando à porta. Esperamos também, colocamos a conversa em dia, como se não tivéssemos conversado toda a manhã, e na manhã anterior, e outra e outra…

Mas isto é algo que fazemos com amigos certo? Conversamos frente a um bom prato de comida, com um copo de vinho na mão ou enquanto esperamos que cheguem. A comida, o vinho ou os amigos que tendem a chegar atrasados.

Mas e então, e com os bons amigos? Qual é a diferença?

Vá lá, ainda estão a bater nessa tecla? Os amigos são bons. Sempre. Não há maus amigos. É como os cumprimentos que desejamos no fim de cada missiva. “Ah e tal, com os meus melhores cumprimentos…”. Certo. Então e se não forem os melhores serão quais? Os piores? Ou só os cumprimentos, que não sendo tão bons como os melhores serão, bem, aceitáveis?

Mas aos meus amigos, como não chamar de bons amigos, aliás, dos melhores que pode haver entre essa estranha categoria de conhecidos a que chamamos de amigos?

Sim é certo que com eles já dei por mim a a esperar que o tempo passe nas ruas da Vila de Sintra a meio da noite, a fotografar semáforos na Baixa de Lisboa, já me encontrei a declamar guiões de Star Wars improvisados com conteúdo menos próprio e personagens insólitas na madrugada de Cascais, já senti o vibrar dos trilhos do eléctrico na minha orelha ao raiar do dia no Terreiro do Paço, já fiz uma série de coisas…

E neste almoço, saído do nada, de bacalhau com grão e carne com batatas fritas, regado com O Tal Vinho da Lixa (sim, é mesmo assim que se chama o vinho), fomos de Noam Chomsky ao Michel Foucault, passámos pelo pêndulo do dito é claro, e visitámos o Slavoj Žižek. Quando chegámos à Paz de Westfália pensámos que a coisa não passaria dali… O que haveria ainda de passar.

Falámos do Hitler (convenhamos, a Lei de Godwin diz que íamos lá parar de certeza, mais ainda considerando o tempo que estivemos à espera) e das eleições legislativas. Discutimos o estatuto de arguido e as medidas cautelares anteriores ao trânsito em julgado, assim como até onde estas poderiam interferir com a presunção de inocência. Falámos dos refugiados, dos nossos e dos outros. Falámos até de como nós, de quando em vez, nos refugiamos, assim, ao almoço.

E a sorte, garanto-vos, a sorte de alguém que nos estivesse a ouvir, chegou com a hora de voltar ao trabalho.

A certa altura, entre o folhado de doce de ovos e o leite creme queimado ao momento (tal qual cena digna de um qualquer filme sobre a guerra do Vietname), nada mais me restou dizer para além de “que orgulho e gosto tenho, em ter tão bons amigos“. Ainda deu para mais um brinde, aos amigos. Que nunca nos faltem, que nunca desapareçam das nossas vidas, nem dos nossos almoços que, vidas à parte, são também muito importantes.

Este post é para vocês amigos, aqueles que estiveram neste almoço e todos os outros que tantas vezes comigo se sentaram à mesa.