Morreu James Gandolfini, o Tony Soprano. Relembro aqui o que escrevi sobre Os Sopranos quando acabei de ver a série em jeito de homenagem…
Os que não morrem são os Tony’s, iguais a tantos nós, que acreditamos em sonhos do tipo “Made in America”.
——- //——-
E o final de “Os Sopranos” é simplesmente o melhor que podia haver. Sim, gritei, esperneei, praguejei. Queria mais. Não se faz. Não se acaba assim a obra prima televisiva que é “Os Sopranos”. E depois, tal como a série, encontrei descanso (tal como a série) na consolação do saber de que foi assim porque tinha que ser. É o Eterno Retorno mais uma vez.
Atenção, este texto poderá conter “spoilers“. Ainda assim, e respeitosamente, quem não queira saber antecipadamente não leia. Eu tenho que o escrever.
Passaram já anos desde que este episódio foi transmitido na televisão. Como em muitas coisas na vida (na minha vida pelo menos) tinha que haver uma razão para não o ter visto então. Agora veio na altura certa. A filosofia bate-nos à porta volta e não volta… Adiante.
É certo que nem toda a gente gosta de “Os Sopranos”.
Talvez seja preciso ver o Mundo de uma forma mais negra, de uma forma mais humana no sentido em que o Homem é o que é, por mais regras de moral que lhe imponham ou diga ter. Mas não é sobre “Os Sopranos” que aqui quero escrever. O que aqui me traz hoje é “Made in America“, o 86º e ultimo episódio desta série televisiva que marcará para sempre a historia da televisão.
Tornando curto o que pareceu muito mais longo do que realmente foi (e não, ninguém se queixou), o Tony Soprano visitou o tio Júnior, o AJ Soprano parece estar melhor com ele e com o Mundo, a Meadow finalmente acerta com o que quer da vida e lá estaciona o carro e a Carmela… Bem, a Carmela é ela mesma. Como sempre e só isso já deveria chegar para nos dar uma ideia do que estava para vir. E até o Agente Harris fica contente com a sua vingança feita pela mão pesada da Família DiMeo.
Este “Made in America” podia perfeitamente ser chamado de “American dream“.
Ainda assim, todos nós sabemos que o “American dream” não está livre da consciência. Ou pelo sangue derramado, pelas mulheres traídas, pelas porradas nos filhos… Temos ali um gato, a olhar para a fotografia do Christopher e que, mesmo enxotado para longe, repetidamente pelo Paulie Gualtieri (tal qual ultimo dos Moicanos, acaba como começa, lado a lado com o Chefe, os únicos que ainda se podem gabar de viver a velha guarda), volta sempre, a olhar para a fotografia… Não é fácil limpar a consciência. Mesmo para os (poucos) que o querem fazer…
Este sonho, feito na América, tem muito que ver com a família e a família, com a mãe… Janice é já Livia de quem fugiu. Até o tio Junior que pouco vê o viu e quando chamou Janice ao ver a foto da neta-sobrinha Nica, a mãe desta terá certamente pensado quanto tempo faltaria ainda para que a história se repetisse e Nica se tornasse assim a rebelde que ela foi um dia.
Até o grilo falante se foi, ainda que vivo, deixou de falar, o pouco, o acertado. Há quem diga que está em paz. Tony parece pensar assim quando se senta junto a Sil em coma, como quem visita um amigo só porque sim, porque a sua presença lhe faz bem.
Toda a gente percebe que estamos nos últimos minutos da série.
Não há margem para dúvidas. A musica começa a tocar. Normalmente, no fim dos anteriores 85 episódios, mais ou menos dramáticos, tivemos alguns segundos, vá lá, um minuto de musica a acompanhar a entrada para o genérico final.
Em “Made in America” esperamos calmamente por isso, que a tensão se acalme e a musica nos leve ao comando para o Stop final. Podia ser? Não. O Eterno Retorno está aqui mais uma vez. À medida que “Don’t Stop Believing” toca, quem vê a cena da família que se reúne ali, num tasco, que espera a batata frita, que tenta sem sorte estacionar correctamente, sente em crescendo que afinal, esta cena é mais do mesmo. A musica prolonga-se por um, dois, três minutos. A tensão aumenta em vez de diminuir. Caras entram, olhares que matam mesmo sendo dos mais simples, dos mais comuns que possam existir… Ou não matam afinal. Quatro minutos, cinco… “Oh, the movie never ends. It goes on and on and on and on …”
Oito anos. Ou quase três meses. Todos os dias, noites, janela adentro…
Ali, em dez segundos de escuridão, sem som, antes dos créditos finais passarem pela ultima vez. Dez malditos segundos que me levantaram do sofá, que me fizeram desesperadamente procurar o comando e tentar perceber em que raio de botão teria eu carregado… Que raio. Só nós filmes…
Não. Não é bem assim. Não é só nos filmes. Na vida real também não se ouve a musica em background, também não desaparecem os protagonistas num fade… O que aconteceu? O de sempre. Mais uma mentira para eu, espectador, atento, membro da família, aceitar. É essa a regra para continuar vivo. Aceitar que amanhã há mais do mesmo. Foi assim desde o inicio. Tony para se justificar, Carmela para se manter, AJ para crescer, Meadow para se encontrar… Todos. E quem não aceita, morre.
Os que não morrem são os Tony’s, iguais a tantos nós, que acreditamos em sonhos do tipo “Made in America”.